A luta com o doméstico não tem fim. Trata-se
de peleja cujo resultado sabemos de antemão, e ele não é outro senão
a derrota.
Vejam o caso do sofá, por exemplo. Chegou aqui desconjuntado, feito
em pedaços, cada parte recostada à parede, inofensivo qual um Tiradentes
esquartejado, muito pouco ciente da realidade total, refém da minguada ciência de si, alojado numa entristecedora falta de recursos cognitivos.
Pois esse mesmo sofá, até
pouco tempo atrás um alienado, logo pôs-se a dificultar a vida dos moradores da
casa, primeiro aparentando ser fácil de manusear quando, em verdade, é um
verdadeiro quebra-cabeças; segundo, opondo uma resistência sobre-humana ao
encaixe perfeito dos braços e pernas, o qual, mesmo agora, passadas três horas
de agarra-agarra, lambe-lambe, esfrega-esfrega, roça-roça, sobe-desce, permanece uma miragem, um amplo
desejo irrealizado, uma vontade de potência que não se realiza num curto horizonte de expectativas.
A ironia é que um prosaico sofazinho encene bem no
centro geométrico da sala toda a precariedade da existência, o engodo como
filosofia de vida, a falseabilidade das relações e, sobretudo, a ilusão do
encaixe perfeito.
Por essas e outras, a atriz Brigitte Bardot teria largado no monturo três sofás que havia ganho de presente.
Em breve retorno para falar da paixão
segundo a máquina de lavar.