Pensando na carência de mitologia da e sobre a cidade, lembrei imediatamente do
Monza do Amor, um brinquedo literário entre o sério e a farsa, um autoengano
revelador. Mara Hope do asfalto à deriva na própria ferrugem, o Monza é também o ponto de convergência de
uma cadeia de acontecimentos que se desdobra no tempo e no espaço.
Envolve jovens, adultos e velhos, polícia e guardas noturnos, vizinhança e entregadores
de pizza, os verdadeiros vigilantes da fortaleza, os únicos a trafegar na contramão. Considerem os agentes que transformam uma cidade no que ela é, no que ainda não é mas será, no que talvez nunca se transforme. Todos passaram pelo Monza e deixaram ali um rastro, uma marca, uma impressão, e é dessa marca rasteira apagada nas bordas que se rememoram as vidas.
O Monza é semelhante à concha totêmica dos meninos da ilha em O senhor das moscas. É através dele que se narra a história de um grupo de pessoas específico: dois homens, três mulheres, um velho, uma criança.
Acidente na paisagem, triângulo das
bermudas no xadrez da metrópole morena, aldeamento em torno do qual
os silvícolas e curumins aprendem o básico da mecânica de um novo catecismo,
que não é o mesmo de cinco anos atrás nem será igual ao de amanhã.
O novo catecismo em torno do carro rejeitado nasce da massa falida de um sonho de cidade que agora passa por total reconfiguração, abraçando a cada dia novas sugestões e acatando utopias como quem acolhe um animal ferido.
Daí a vocação para abrir gretas (autoestradas) no couro
sintético e irrigar de sentido a aridez nessa geografia da rejeição-afirmação.
E agora é o próprio Monza, o carro olvido, que termina.
O mais importante, porém, é que dessa plataforma se lançam bólidos que atravessam uma regional como testes de balística e
aterrissam em outra como estrelas cadentes, mostrando que o clichê segundo o qual cada objeto tem pelo menos duas faces não é uma lenda.