Depois do café,
a cabeça fala sozinha, a boca não sabe se concorda; a boca sempre teme ferir as
suscetibilidades, os olhos acompanham o facão deitar abaixo as plantas do
terreno ao lado, as pernas descansam, as mãos escrevem ainda que não haja uma
razão clara; quanto menos clareza, mais as mãos se agitam, e por enquanto não há nada que a barriga e o restante do
corpo possam fazer senão esperar, esperar que a vó saia da UTI falando os
palavrões de sempre, a mãe se recupere, o pai não se aborreça mais porque o
filho passa dias sem telefonar, o segundo semestre chegue e depois termine, as
árvores cresçam apenas para serem cortadas novamente, a água esvazie no fundo
da pia e volte a acumular, o lixo se amontoe e em seguida desapareça, o tempo
cubra de ferrugem o corrimão do prédio e de branco os cabelos, as páginas se
preencham à vontade, as linhas desentortem, as curvas endireitem, as retas se
percam nas paralelas, as histórias se contem a si mesmas, e que nada disso
pareça excepcional, um salto, uma mudança, uma ruptura, um avançar louco em
direção ao futuro brumoso, mas apenas o andamento natural de tudo, como que uma
respiração terrena, ordinária, baixando e subindo, conectando sutilmente as
pessoas diferentes que somos de tempos em tempos, menos para revivê-las, mais
para lembrá-las.
Gosto de como soa atacarejo, de seu poder de instaurar desde o princípio um universo semântico/sintático próprio apenas a partir da ideia fusional que é aglutinar atacado e varejo, ou seja, macro e micro, universal e local, natureza e cultura e toda essa família de dualismos que atormentam o mundo ocidental desde Platão. Nada disso resiste ao atacarejo e sua capacidade de síntese, sua captura do “zeitgeist” não apenas cearense, mas global, numa amostra viva de que pintar sua aldeia é cantar o mundo – ou seria o contrário? Já não sei, perdido que fico diante do sem número de perspectivas e da enormidade contida na ressonância da palavra, que sempre me atraiu desde que a ouvi pela primeira vez, encantado como pirilampo perto da luz, dardejado por flechas de amor – para Barthes a amorosidade é também uma gramática, com suas regras e termos, suas orações subordinadas ou coordenadas, seus termos integrantes ou acessórios e por aí vai. Mas é quase certo que Barthes não conhecesse atacarejo,...