Depois do café,
a cabeça fala sozinha, a boca não sabe se concorda; a boca sempre teme ferir as
suscetibilidades, os olhos acompanham o facão deitar abaixo as plantas do
terreno ao lado, as pernas descansam, as mãos escrevem ainda que não haja uma
razão clara; quanto menos clareza, mais as mãos se agitam, e por enquanto não há nada que a barriga e o restante do
corpo possam fazer senão esperar, esperar que a vó saia da UTI falando os
palavrões de sempre, a mãe se recupere, o pai não se aborreça mais porque o
filho passa dias sem telefonar, o segundo semestre chegue e depois termine, as
árvores cresçam apenas para serem cortadas novamente, a água esvazie no fundo
da pia e volte a acumular, o lixo se amontoe e em seguida desapareça, o tempo
cubra de ferrugem o corrimão do prédio e de branco os cabelos, as páginas se
preencham à vontade, as linhas desentortem, as curvas endireitem, as retas se
percam nas paralelas, as histórias se contem a si mesmas, e que nada disso
pareça excepcional, um salto, uma mudança, uma ruptura, um avançar louco em
direção ao futuro brumoso, mas apenas o andamento natural de tudo, como que uma
respiração terrena, ordinária, baixando e subindo, conectando sutilmente as
pessoas diferentes que somos de tempos em tempos, menos para revivê-las, mais
para lembrá-las.
Numa dessas andanças pelo shopping, o anúncio saltou da fachada da loja: “museu da selfie”. As palavras destacadas nessa luminescência característica das redes, os tipos simulando uma caligrafia declinada, quase pessoal e amorosa, resultado da combinação do familiar e do estranho, um híbrido de carta e mensagem eletrônica. “Museu da selfie”, repeti mentalmente enquanto considerava pagar 20 reais por um saco de pipoca do qual já havia desistido, mas cuja imagem retornava sempre em ondas de apelo olfativo e sonoro, a repetição do gesto como parte indissociável da experiência de estar numa sala de cinema. Um museu, por natureza, alimenta-se de matéria narrativa, ou seja, trata-se de espaço instaurado a fim de que se remonte o fio da história, estabelecendo-se entre suas peças algum nexo, seja ele causal ou não. É, por assim dizer, um ato de significação que se estende a tudo que ele contém. Daí que se fale de um museu da seca, um museu do amanhã, um museu do mar, um museu da língua e por