Como é difícil se desapegar de uma janela, uma
simples janela, quadradinho aberto na dureza da alvenaria, um suspiro na treliça
dos circuitos da argamassa, breve passagem comunicante do externo ao interno,
dentro para fora, alheio ao íntimo, um Suez das brisas, Panamá das emoções,
duto através do qual nos chega sempre essa chuvinha inclinada, nunca vertical,
mas inclinada, oblíqua, a vertical é uma chuva avessa ao familiar das janelas,
cai no lugar sabido, previsível, e é nisso que as janelas realmente são boas,
permitir o imprevisto, o entrevisto, o nunca visto, quantas vezes nos
assustamos olhando além da janela, quantas nos tornamos pensativos à beira da
janela, quantas nos desolamos ao surpreender a paisagem da janela, quantas nos
angustiamos ao esperar alguém de cotovelos fincados no parapeito da janela,
quantas nos emocionamos ao admirar o jarro deixado na janela?
A janela é um buraco negro caseiro,
doméstico, barato, com trânsito de mão dupla, não custando muito mais além do cobrado
pelo material de construção e pela mão de obra do pedreiro. É também um portal
mágico de fácil manuseio.
Funciona com um sistema de dobradiças e
ferrolhos, cobre-se de cortina, que pode ser de pano ou plástico ou algum material
impermeável à água e à luz. Basta abri-la. Ou fechá-la.