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Herói sem nome ataca novamente



Tinha desistido de falar sobre O lugar onde tudo termina depois de alinhavar três parágrafos e perder tudo para uma pane no Word, mas consegui recuperar alguma coisa nos escaninhos do córtex cerebral. Vamos lá.  

Pensem em Como nossos pais, a canção, com menos poesia e uma dose extrema de vício. No filme, uma certeza: a de que a corrupção e a ambição fertilizam as relações sociais. É pessimista, sim, mas de um pessimismo que serve mais como contraste à descoberta do amor.

Num cenário degradante em que as coisas não dão certo e os dias se consomem num globo da morte nada metafórico, o herói busca sossego, alento, e o encontra na paternidade. Para tanto, terá de ocupar um lugar já ocupado. O herói fez a escolha errada? É uma boa pergunta. 

Coisa chata no filme: Ryan Gosling interpreta o personagem sem nome de Drive. Mesmos cacoetes, profissão (piloto e mecânico), desvios de comportamento, mesma carga de drama que se espera de uma vida desajustada que tenta se firmar, mas se depara com obstáculos erguidos há bastante tempo, frutos de decisões e escolhas desastradas. 

Novamente, o eldorado é uma mulher e um filho. A diferença: o personagem de Ryan agora tem um nome. 

Bradley Cooper: grande ator.

Ponto mais fraco do roteiro: determinismo sanguíneo, crimes que passam de pai para filho, sempre com o passado à espreita, assombrando num breve aceno do clichê.

Final: aberto, com margem para interpretações variadas.

Ao problema da câmera na mão a fim de criar efeito de realismo, que o Cássio Starling Carlos citou numa resenha, acrescento outro: a imagem porosa, diluída, e as cores esmaecidas. Realismo é outra coisa. 

Conclusão: filme mais ou menos com atores fantásticos.  

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