Há um nexo possível entre a
multiusabilidade, que é a funcionalidade levada ao extremo, e a grande
variedade de personas adotadas nas
redes sociais. Com a multiplicação dos mecanismos de interação, diversificam-se
também as máscaras sociais, ou seja, para cada ato cotidiano de sociabilidade,
dispomos de uma persona diferente,
que implica também uma função diferente.
Versões de si mesmo espalhadas por cada
canto da vida, transcorra ela nos ambientes virtuais ou não, podem agora ser
encontradas em doses fartas. Quando menos suspeitamos, está ali, diante da
gente, conversando e interagindo e afirmando e fazendo coisas que depois de
algum tempo terão a incrível capacidade de nos surpreender.
Tão antigo quanto a própria humanidade, o desafio
de ser realmente quem você talvez constitua algo que exorbite nossas faculdades
mais básicas, como a inteligência e a capacidade de abstração. É uma tarefa
para a qual simplesmente talvez não estejamos habilitados.
No fim das contas, as muitas situações
cotidianas, domésticas ou não, exigem uma persona.
Grupos de pessoas diferentes requerem personas
diferentes. Mecanismos de interação diferentes da mesma forma.
Tal como os espaços híbridos, os carros flex, as escrivaninhas que também são mesa
e sofá, os objetos com múltiplas funcionalidades, as lojas com vocações
fragmentadas, os livros que são discos, os jogos que são livros, as casas que
são escritórios – atendemos a demandas distintas acessando um baú quase
inesgotável de personas.
É o conceito de multiusabilidade aplicado à esfera do eu. Para cada âmbito de interação, um euzinho singular e único dá as caras, seja para agradar, seja para desaprovar, seja meramente para anuir.
Bergman capta essa dificuldade em um filme de
1966 chamado exatamente Persona: "O inútil sonho de ser. Não parecer, mas ser.
Estar alerta em todos os momentos. A luta: o que você é com os outros e o que
você realmente é".