A barriga é o verdadeiro espelho da alma.
E se ninguém havia dito isso antes, trata-se de perdoável lacuna no
desenvolvimento da ciência axiomática. Afinal, nem todo mundo atribui à região um
protagonismo além do que desempenha no processo digestivo, o que é um grave
erro. Mais que uma máquina de processar os alimentos, a barriga é uma usina de emoções. Do medo
à paixão, a barriga capta, como nenhuma outra parte do corpo, o porvir, antecipando-o
e traduzindo-o por meio de contínuas pulsações a que normalmente damos o nome
de “friozinho”.
Da ínfima perturbação no humor –
próprio e alheio - aos eventos que promovem drástica alteração no eixo de
nossas vidas, pondo em desalinho a execução das atividades rotineiras: tudo
passa, antes, pela barriga, que, além de espelho d’alma, acaba funcionando
também como filtro. Genuína estação de tratamento, beneficia-se da geometria do
corpo, fixando-se a uma distância segura do peito e do ventre. Menos erógena
que as tradicionais porções implicadas no sexo, a barriga é, antes de tudo,
seletiva.
Basta ver como excluímos os afetos
que, a despeito de toda a conveniência, não repercutem na barriga,
atravessando-a como se estivessem em uma via expressa, sem deixar rastros - de modo
geral, vão parar direto no ralo.
A barriga é, portanto, um lugar especial.
É repositório dos sedimentos destinados à lenta expulsão do organismo. É,
principalmente, o território livre do amor. Seja em sua versão “negativa”, quando
mergulha em uma acentuada curva introspectiva, aninhando-se costelas adentro; seja
na “positiva”, quando dilatada pela ingestão sistemática de alimentos hipercalóricos,
a barriga cumpre papel fundamental na vida de qualquer pessoa.
Diferentemente do coração, que se
comunica a partir de enigmas e paradoxos, confundindo com a multiplicidade de
sinais que emite a cada batimento, a barriga é cristalina: é ou não é, sim ou
não, faça ou desista, fique ou vá embora. Nela não sobrevive um único vão que
possa ser ocupado pela dúvida.
Há muito o que aprender com a sabedoria
binária da barriga.