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Hipótese de Einstein



Tinha esse problema que não sabia qual era, nem se podia chamá-lo realmente problema, tampouco solução. Afinal, era possível que não passasse de algo orbitando um planeta que apenas muitas centenas de anos depois um grupo de cientistas reunidos em torno de uma ampla mesa branca decidiria rebaixar.

Denominou-o simplesmente “dado”, uma maneira educada e algo limpa de abordar o “estado geral das coisas”, outra expressão a que recorria sempre que não se via suficientemente livre para conferir à realidade a nomenclatura adequada, o que acontecia com uma frequência acima do normal.

Um tipo de máquina de Goldberg elevado à enésima potência: eis a situação.

Um dado, portanto. Material ou imaterial, concreto ou abstrato – grosso modo, eram perguntas às quais não encontrava solução imediata, de modo que, assumindo tratar-se de um caso aparentemente típico de “ação fantasmagórica à distância”, conceito que vinha de empréstimo da teoria da relatividade geral de Einstein, optou por funcionar sob o status de “procedimento padrão”.

O que, em bom português, revelava tão somente que, esgotadas as tentativas, não obtinha resposta para qualquer pergunta, as reais e as fictícias, as próprias e as alheias, as passadas e as futuras, e com isso não se angustiava nem se contorcia intimamente, mas convivia como convivem dois vizinhos que alimentam uma animosidade recíproca - mantida, todavia, dentro dos marcos da civilidade.

Era o caso. 

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