O vizinho grita alto, outro conversa com a
empregada doméstica, é aposentado, branco, ela é negra, jovem e fumante, usa
short bem curto, o vizinho tem o braço na tipoia, quer perguntar o que houve
mas recua, não seria uma boa ideia parecer excessivamente condescendente, anda
devagar no corredor sempre checando as moitas no terreno baldio cujo muro banguela
não impede que os assaltantes da área saltem e dividam ali, debaixo das barbas
de todo mundo, os despojos do roubo, na
última vez em que isso aconteceu ficou apenas olhando, fumando e olhando,
acendeu dois cigarros em sequência, intimamente cogitou que tal ato pudesse endereçar
aos contraventores uma mensagem subliminar explícita de intimidação, suspeitou até
que os cinco rapazes correriam quando finalmente percebessem, “vejam, ali há um
homem que não teme”, ledo engano, escolheram
o canto mais escuro do terreno e lá, obedecendo a critérios que não pode
entender, agachados feito bichos, ratearam os objetos amealhados em algum ponto
da cidade, de alguém que agora estaria ou numa delegacia ou na rua ou em casa,
contando em pormenores o evento singular do qual fora uma espécie de
protagonista.
Uma cena de carnaval das mais banais, portanto.