Uma experiência entre tantas possíveis é: desprovido
de qualquer ferramenta digital, requisito que pode ser dispensado, visitar o
bairro da infância e constatar que, passados 20 anos, os terrenos onde havia
cajueiros e mangueiras e pés de azeitona, além de bananeiras, goiabeiras e
ateiras, agora são condomínios com muitos blocos pintados de branco e um rosa
clarinho, garagens com muitos carros, Celta e Peugeot e Siena e Polo, por
exemplo, que são os modelos mais procurados por um segmento da classe
recém-ascendente, e que ao lado desses condomínios as casas mais antigas
continuam antigas, do mesmo modo que as ruas asfaltadas permanecem as mesmas, o
que mudou basicamente foram os espaços vazios, antes campos de futebol, agora conjuntos
de apartamentos, lagos foram aterrados, mas ainda há o córrego, a passagem
molhada, a casa da macumba, a da primeira garota, a da segunda garota, a da
prima do amigo etc.
E logo ali, virando a esquina, no exato
local onde, acossado por um grupo irascível de menores, tive de provar que não
era feito apenas da fibra esponjosa dos garotos mais frágeis, passados 20 anos,
além da esquina, apenas cinco números distante da própria casa, o que
aprofundava a dor, vejo o pedaço de muro que escolhi para encostar a cabeça
e chorar, agora, estou vendo agora, tanto tempo depois, já adulto, já refeito do
susto e da decepção, pude olhar e sentir que todo esse tempo um gesto teria
bastado.
Mas escolhi chorar, do que não me
envergonho, tampouco tenho orgulho. Nesse lugar algumas casas não mudaram nada,
outras mudaram tudo.