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Falta a quinta cena para terminar, mas o que
será a quinta cena? Não chegou a considerar uma pentalogia de Natal como
hipótese plausível, era trabalho para outra hora, não agora, não no dia vinte e
quatro, a pouco tempo da ceia, todas as comidas postas em travessas, os dois
banheiros da casa disputados a tapa, a mãe correndo pra lá e pra cá.
A quinta cena seria então a que
vasculha no ano inteirinho uma nesga de sentido, fiapo de algum enredo? Uma narrativa
de 365 dias? O fio escorregadio da meada de repente enrosca-se nas pernas.
"Esse cara sou eu", escuta em todos os lares, esse cara sou eu, uma admissão de culpa? Pensa no que pode querer dizer tal frase: esse cara sou eu.
Esse, pronome demonstrativo, cara, substantivo,
sou, verbo, eu, pronome – as quatro palavras juntas ecoam algum tipo de
consciência dos limites do homem, limites físicos e psicológicos, esse cara,
não qualquer um, mas esse, este que fala, sou eu, a súbita autorreferência desconcerta
o interlocutor, de modo que a sentença produz, em muitos aspectos, uma rede
intrincada de conclusões cujo subproduto mais barato, aquele que pode ser visto
boiando na superfície de interpretações, se evidencia.
O somatório de erros e acertos que assume forma humana, essa constante hiperbólica ziguezagueante, esse arrazoado de humor claudicante, essa arenosa formação rochosa sedimentada após décadas submetida aos mais variados processos químicos, isso tudo liquefeito e levado ao forno no mesmo recipiente redunda nesse cara, que sou eu.
O somatório de erros e acertos que assume forma humana, essa constante hiperbólica ziguezagueante, esse arrazoado de humor claudicante, essa arenosa formação rochosa sedimentada após décadas submetida aos mais variados processos químicos, isso tudo liquefeito e levado ao forno no mesmo recipiente redunda nesse cara, que sou eu.