4
O poeta digita, o poeta apaga, o poeta
digita, o poeta apaga, e assim permanece durante boa parte da manhã, escrevendo
e apagando sem encontrar a palavra certa, aquela que reluz além da mediocridade
dos verbetes disparados nas redes sociais, o poeta julga-se verdadeiro,
autêntico, paladino do desconcerto, alguém talhado verdadeiramente para ordenar
o caos na cidade e, de passagem, espetar o dedinho buliçoso na ferida.
Não há dia que não seja brindado com alguma
arapuca montada pelo poeta, que é ferino, rápido e ataca furtivamente, não tem
autocensura, às escondidas ri das estocadas, crê-se incumbido da nobre missão
de desmascarar as banalidades, a mis en
scène, detona reputações com um estalar de indicadores e, montado no
Scadufax que é seu fraseado explosivo, distribui monossílabos gangrenados,
defenestra inimigos, diverte-se à beça.
O poeta gargalha, toma um gole de vinho ou do que
quer que esteja bebendo, coloca uma música agradável na vitrola recém-comprada,
aciona uma janela, telefona, cutuca, articula, funga no cangote da morena, o
poeta embevecido acredita-se capaz de erguer apenas com palavras uma rede
patibular destinada a todos aqueles cuja imperícia ou desinteligência o
incomodam dia após dia.
Cruel, é uma atividade incansável para a
qual o poeta, mesmo nonagenário, encontra sempre algum tempinho entre as
colheradas de mingau.
Um raro exemplar de humanidade, dizem os
amigos. Um espírito de porco, apunhalam os poetas menores, alvos corriqueiros
do poeta maior.
E o que faz o poeta? O verdadeiro poeta, o
homem por trás da higienização das palavras, o arcabouço vernacular da aldeia,
esse poeta dá de ombros, desimportando-se com tudo o mais.
Tudo mentira, evidentemente.