Escritor DFW olhando melancolica/triste/fixa/insistente/longamente pra câmera.
Nem um único momento
individual é em si próprio e por si próprio insuportável.
Uma frase pra se colocar na porta da geladeira ao
lado do ímã do gás e da farmácia ou em cima, perto do pinguim e da fruteira,
que em algumas casas com menos de 50 metros quadrados, a exemplo da minha, é
substituída por um copo repleto de trecos do tipo alfinete, caixa de fósforos,
uma cartela desfalcada de Dorflex, pregador, isqueiro reserva, caneta, abridor
etc., já que não há espaço para ambos (fruteira e copo).
Como visto, trata-se de copo bem grande. Nele surge
um dos robôs do filme Transformers e esse robô dá a impressão de se
movimentar quando olhamos de ângulos diferentes, é algo legal de fazer durante
o café, mas não depois de beber.
A esse efeito enganoso de movimento damos o nome de “torpor
tridimensional” ou coisa parecida.
Voltando ao assunto, uma frase traiçoeira, porém,
essa do escritor DFW que tirei do blog da Cia. das Letras, precisamente de um
texto do Caetano Galindo, o tradutor de Pynchon e demais esquisitices que ora
se aventura em Infinit Jest. A sentença convida a pensar:
Puxa, me vejo há dias e
talvez semanas mergulhado num fundo de poço existencial, uma fase daquelas em
que cada hora carrega mais pesar que a anterior e na qual a pergunta mais
frequente que me faço (falando tudo isso hipoteticamente) é quando finalmente
tudo isso vai parar, passar ou dar um tempo, ainda que breve.
A frase, que à primeira vista soa lenitiva, com
potencial para acalmar o estômago e a cabeça face às vicissitudes da vida,
aponta, e aqui reside o pulo do gato, para um beco sem saída. Vamos resumi-lo da
seguinte maneira: não temos a mais vaga noção do que é suportável ou não, de
modo que a ideia do que é insuportável é igualmente desconhecida, imponderável,
improvável, inatingível e não pode, salvo em ocasiões especiais, ser utilizada senão
com finalidade retórica, o que não parece ser o caso.
Uma abstração que embute a ideia de que somos
dotados da capacidade falsamente redentora de suportar praticamente tudo.
DFW sabe que não podemos tudo, que toda dor, por
menor que seja - declinando todo o discurso politicamente correto -, é um
atentado. As mais agudas, então, podem matar.
DFW também sabe disso. Todo momento individual é em
si próprio insuportável.
A despeito disso, ainda pretendo colar a frase, que
acho profundamente estimulante e tranquilizadora ao mesmo tempo, na porta da
minha geladeirinha branca, pequena, cheia de marcas de dedos sujos da tinta dos
jornais.