Toda semana um calango cai na
pia da lavanderia, daí fico observando o calango tranquilo esperar que algo
aconteça, uma mão amiga quem sabe resgatá-lo da superfície lisa, escorregadia,
mas nada, o animal continua lá parado, à espera, a mão não chega, o gavião não
chega e é impensável supor que a própria ideia de salvação seja algo presente
na mente reptiliana dessa criatura, imagino que repudie profundamente o
descuido ao atravessar uma fresta da parede, um desvão no telhado, o instante
da troca de pernas que redundou na queda, o que significa em bom português
filosófico um calango cair da parede?, sempre me pergunto, um bicho tão
adaptado às escaladas de repente vem abaixo, tão próprio para trepar nos locais
mais altos, mais difíceis, um montanhista de sangue frio, esperto, então lá
estava esse calango estúpido de sangue frio, não transpirava, a vida para ele agora
é feita de espera, momentos de angústia, indefinição, ali cercado pela brancura
do falso mármore da pia da lavanderia de um prédio de classe média baixa, a
mesma pia utilizada com frequência para enxágue das roupas íntimas dos
condôminos, é meio dia, a cauda levemente retorcida entra no ralo, as patas da
frente projetam a cabeça pra cima, o corpo está alinhado à torneira branca, um
tormento semelhante a ficar preso no elevador entre o 14º e o 15º andares, tão
quieto, tão quieto, tenho pena desse calango, minha vontade era de ir até lá e,
com a mão protegida por uma sacola plástica de supermercado, envolvê-lo
carinhosamente e finalmente atirar o pequeno lagarto, um legítimo ancestral dos
dinossauros, no terreno vizinho, para, quem sabe, ser abocanhado pelo exército
de gatos que ronda os quintais.
Definitivamente, vida de calango é um troço complicado.