Pular para o conteúdo principal

As faces rosadas do Face (isto é uma piada)



As fotos de crianças que substituem as dos adultos são um fenômeno de rede, cada usuário, assíduo ou não, adere à regra com bastante naturalidade, é uma onda, febre se considerarmos a rapidez e grau de participação das pessoas, afinal são tantos os perfis no Facecook e Twitter transformados em duto de comunicação direta com um passado glorioso, crianças loiras, morenas, gordinhas, magras, cabelos compridos, pernas tortas, o substrato do que somos hoje de repente se evidencia já nos primeiros anos de vida, o susto é inevitável, os meios como túneis do tempo, há quem peça mais que essa olhadela curiosa que todos estamos dispostos a conceder e concentre forças em aproveitar a oportunidade para fazer da alteração visual um jogo egocêntrico de perguntas e respostas, uma brincadeira de adivinhação cujo centro nervoso é a própria vida, não a minha ou a sua, mas a dele. Como fenômeno a onda das fotos de criança, que precede o Dia das Crianças e se justifica minimamente diante da curiosidade que alimentamos em relação à vida do outro, requer ainda tempo e maturidade antes de emitirmos qualquer análise, que agora soaria precipitada, sem dúvida.

Preliminarmente, todavia, cabe perguntar, o que há por trás da face rosada das crianças no Face, como incluir nessa equação sociológica a infantilização do mercado e a velocidade das mídias digitais, o que pretendem ao modificarem a imagem que habitualmente exibem nas ferramentas de interação, que resultado esperam colher ao verem se multiplicar os comentários e curtidas?

De partida é preciso se despir dos preconceitos e encarar o objeto sem amarras teoréticas, só assim é possível discernir a situação e delinear respostas, tais como a excessiva energia gasta na tentativa sempre frustrada de parecermos o que de fato gostaríamos de ser, daí, desse patamar de busca e frustração, à crença de que um dia fomos exatamente esse algo inalcançável, peça publicitária de um filme pessoal inserido num passado distante, irrecuperável, evocado apenas de relance em fotografias amareladas, tão estáticas quanto as de hoje, adultas, é um salto que pode ser facilmente entendido e até tolerado.

Postagens mais visitadas deste blog

Museu da selfie

Numa dessas andanças pelo shopping, o anúncio saltou da fachada da loja: “museu da selfie”. As palavras destacadas nessa luminescência característica das redes, os tipos simulando uma caligrafia declinada, quase pessoal e amorosa, resultado da combinação do familiar e do estranho, um híbrido de carta e mensagem eletrônica. “Museu da selfie”, repeti mentalmente enquanto considerava pagar 20 reais por um saco de pipoca do qual já havia desistido, mas cuja imagem retornava sempre em ondas de apelo olfativo e sonoro, a repetição do gesto como parte indissociável da experiência de estar numa sala de cinema. Um museu, por natureza, alimenta-se de matéria narrativa, ou seja, trata-se de espaço instaurado a fim de que se remonte o fio da história, estabelecendo-se entre suas peças algum nexo, seja ele causal ou não. É, por assim dizer, um ato de significação que se estende a tudo que ele contém. Daí que se fale de um museu da seca, um museu do amanhã, um museu do mar, um museu da língua e por

Cansaço novo

Há entre nós um cansaço novo, presente na paisagem mental e cultural remodelada e na aparente renovação de estruturas de mando. Tal como o fenômeno da violência, sempre refém desse atavismo e que toma de empréstimo a alcunha de antigamente, esse cansaço se dá pela falsa noção da coisa estudadamente ilustrada, remoçada, mas cuja natureza é a mesma de sempre. Não sei se sou claro ou se dou voltas em torno do assunto, adotando como de praxe esse vezo que obscurece mais que elucida. Mas é que tenho certo desapreço a essas coisas ditas de maneira muito grosseira, objetivas, que acabam por ferir as suscetibilidades. E elas são tantas e tão expostas, redes delicadas de gostos e desgostos que se enraízam feito juazeiro, enlaçando protegidos e protetores num quintal tão miúdo quanto o nosso, esse Siará Grande onde Iracema se banhava em Ipu de manhã e se refestelava na limpidez da lagoa de Messejana à tarde. Num salto o território da província percorrido, a pequenez de suas dimensões varridas

Conversar com fantasmas

  O álbum da família é não apenas fracassado, mas insincero e repleto de segredos. Sua falha é escondê-los mal, à vista de quem quer que se dê ao trabalho de passar os olhos por suas páginas. Nelas não há transparência nem ajustamento, mas opacidade e dissimetria, desajuste e desconcerto. Como passaporte, é um documento que não leva a qualquer lugar, servindo unicamente como esse bilhete por meio do qual tento convocar fantasmas. É, digamos, um álbum de orações para mortos – no qual os mortos e peças faltantes nos olham mais do que nós os olhamos. A quem tento chamar a falar por meio de brechas entre imagens de uma vida passada? Trata-se de um conjunto de pouco mais de 30 fotografias, algumas francamente deterioradas, descubro ao folheá-lo depois de muito tempo. Não há ordem aparente além da cronológica, impondo-se a linearidade mais vulgar, com algumas exceções – fotos que deveriam estar em uma página aparecem duas páginas depois e vice-versa, como se já não nos déssemos ao trabalho d