O pai liga, falam-se o mais básico, interrogam-se o combinado, está de saída, comeu, que tem pela noite, e o fim de semana, comprou as frutas que aconselhei, logo vem o silêncio, o pai quer saber mais, o filho enerva-se, explica que a pilha de negócios não convém ao exíguo do tempo, deita falação, reclama o de sempre, muito trabalho, paga insuficiente, filhos crescem-lhe feito capim, prestações, depois respira fundo como a zangar-se, o pai tem saudade, é sempre assim quando telefona, já perto das 22, o filho é bom, tem certeza, o pai tem saudade, o filho responde após algum tempo preciso de desligar.
O pai tem saudade.
Coleciono inícios, restos de frases, pedaços e quinas das coisas que podem eventualmente servir, como um construtor cuja obra é sempre uma potência não realizada. Fios e tralhas, objetos guardados em latas de biscoito amanteigado, recipientes que um dia acondicionaram substâncias jamais sabidas. Se acontece de ter uma ideia, por exemplo, anoto mentalmente, sem compromisso. Digo a mim mesmo que não esquecerei, mas sempre esqueço depois de umas poucas horas andando pela casa, um segundo antes de tropeçar na pedra do sono ou de cair no precipício dos dias úteis. Às vezes penso: dá uma boa história, sem saber ao certo de onde partiria, aonde chegaria, se seria realmente uma história com começo, meio e final, se valeria a pena investir tempo, se ao cabo de tantos dias dedicado a escrevê-la ela me traria mais felicidade ou mais tristeza, se estaria satisfeito em tê-la concluído ou largando-a pela metade. Enfim, essas dúvidas naturais num processo qualquer de escrita de narrativas que não são
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