Retirou a lêndea do cabelo da filha, em seguida ligou a TV no programa da Ana Maria Braga. Desligou. Ligou o rádio. Estavam apenas os dois em casa.
As horas sem dormir desenhavam na tela de 32 polegadas um rosto abatido, mas não desesperado. Tinha feito o que podia: ligara pra polícia, avisara amigos e parentes, colara cartazes no bairro, refizera o trajeto sozinho à procura de reposta. A foto do álbum de Natal agora sorria para estranhos nos cruzamentos de ruas e avenidas da cidade na esperança de que alguém pudesse tê-la visto. Logo abaixo, um número de telefone e o e-mail para contato.
Tinham ligado da construtora bem cedo. Estava livre o restante da semana, cuidasse dos filhos. E, principalmente, não fizesse besteira. Boatos são o que são: boatos. Escutou tudo fora do corpo, vendo-se com o celular junto à orelha enquanto flutuava à altura da lâmpada fluorescente.
No final da tarde resolveu sair um pouco. Foi até a padaria, perguntou na oficina se o conserto ainda iria demorar, na volta deteve-se diante do rosto. Estava a três quarteirões de casa.
Ficou ali por quase meia hora. A mesma gola do vestido novo suja de chocolate, o brilho da pele vermelha após três copos de cerveja, os olhos tranquilos, dentes brancos bem alinhados, as covinhas nas bochechas.
Não entendia. Não podia.
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