Sublinhem-se como derivados naturais da praga chamada “contentamento espiritual” a esterilidade, o conforto, a acomodação, e só quando se sente a aprazia ocupar toda a extensão do continuuum corpo/mente é que se aclara de vez a máxima segundo a qual a dor e a paixão, não precisamente nessa ordem, são peças inextricáveis do processo maior que é a vida.
Entendendo-se por vida “a jornada aventurosa do nascimento à morte”, além dos acontecimentos maiores e menores compactados nesse interregno, acontecimentos esses que podem transbordar significado ou, ao contrário, exibir pobreza franciscana.
Processo maior que é a vida, murmurou, colocando à prova a seriedade de que se julgava locatário. Era óbvio que evitava franzir a testa em excesso. Temia as marcas da expressão. Todavia, começou a rir até provocar o próprio engasgo e urinar a calça jeans.
Que processo?, alguém perguntou de chofre.
Ora, que processo!, quis debochar, mas lembrou um caso parecido que lhe ocorrera ano passado. Interrompido por um aluno, que o havia provocado atirando sentenças indubitavelmente contestatórias, tais como “os maias e tal e tal e tal” e “história para retardado esse papo de apocalipse”.
Não houve jeito. Recorreu a Paulo Freire, sem sucesso. Acabou empurrado em direção a um beco sem saída pedagógico. Não pretendia ver-se encalacrado novamente, então partiu para o ataque.
O processo, repetiu, fingindo deter-se no que parecia um raciocínio esfiapado, apegando-se a derradeiro e questionável recurso dialético. O processo maior que é a vida é um conceito fechado em si mesmo, respondeu finalmente sem disfarçar a opção pelo obscurantismo.
Para gozo íntimo, ninguém replicou.
Golpe de mestre. Isso nem de longe era o mais importante, todos sabiam, no entanto foi desse modo que pôs fim a duas horas e vinte e sete minutos de um entrevero intelectual desgastante.
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