Tinha essa caixa. Quando aberta, revelava outra igualzinha à primeira, exceto por uma listra amarela pintada à mão nervosa. Como se resultasse de gráfico desenhado por uma agulha de sismógrafo. Ou representasse assinatura de carta apaixonada prestes a encontrar destinatário. O que era também um pouco óbvio.
O importante é que, à semelhança do engenho imaginado havia uma década, a caixa escondia um segredo. Não três ou dois, tampouco uma porção indistinta de pequenos animais recém-criados, mas um único segredo.
Cativo, morno, relutante, que não se confundia com nenhum outro.
Compreende-se perfeitamente agora a razão por que o mantinha aprisionado, mal alimentado, em espaço suficiente para nada. O dia a dia cumprido sob rígido procedimento. Pés descalços, maltrapilho, vendado. Não permitia que fosse até a esquina, e se porventura anoitecesse, o que ocorria a cada 72 horas, partia imediatamente à procura do molho de chaves, trancava portas, passava janelas ao ferrolho. Então podia lavar pés e mãos, meter-se debaixo do lençol e cochilar por dez minutos.
Sem grandes alterações da rotina, assim eram as coisas.
“Não fosse agigantar-se em lugar inadequado”, ninava ao mesmo tempo em que repreendia, cantarolando sempre baixinho “não vá se perder por aí”, o tom moralista predominante. De tempos em tempos, sacolejava-o para que não atingisse a fase REM nem despertasse de todo. Era intenção que não pudesse distinguir o dia da noite, o sol da chuva, a aridez da umidade, o lusco-fusco do matiz avermelhado.
Tonto, sequer divisava armadilhas plantadas a centímetros do nariz, e se atirava. Era também avesso a protestos, a qualquer uma das formas violentas de ruptura com o fluxo, evitava o corpo a corpo.
O fluxo era conforto. O desvio, o medo, o abismo, os maiores desafios não excediam haver esquecido o prazo para envio dos documentos via correio.
Comentários