Na verdade, se apertasse bem os olhos e depois os abrisse num segundo, se fizesse isso, espremer depois soltar, entenderia o sumiço, a súbita ida ao cinema (sem volta), a passada no mercadinho (que se transformara num hiato de dez dias, até agora), o pagamento das contas na farmácia (apenas ida).
Entenderia principalmente esse intervalo ao longo do qual não a tinha visto pentear os cabelos, fazer as unhas, hidratar a pele, esfregar as roupas da escola contra a pia e adicionar água ao cozimento da carne, preparada segundo os gostos dele.
Os gostos do pai.
Intrigava-o que não se perguntasse onde estaria após tanto tempo, do que se alimentava, se tinha frio ou sede. Depois de ter ouvido tantas vezes, porém, era natural que começasse a formular hipóteses, elaborar respostas para a charada. Nenhuma cabia nela.
Uma fuga ordinária, “foi sem aviso”, “deixou pra trás marido e filhos”, pedaços de conversas sussurradas que resgatava da sala e dividia com os demais. Um quadro geral de ruídos, painel sonoro, não precisamente uma explicação, disso ninguém era capaz, não sem venenos.
Não podia imaginar a razão, entretanto estava claro que o desaparecimento da mulher de 34 anos não havia provocado no menino o mesmo conjunto angustiante de medo, dor e desesperança.
“Um dia aconteceria”, era o que diria a um dos tios que chorava na sala. “Um dia ela iria embora.”
Comentários