Pular para o conteúdo principal

Sórdido ou patético?

Escritor mexicano Juan Pablo Villalobos em foto de Renato Parada.

Verdade, ainda estou um bocadão impressionado com a leitura de Festa no covil (Cia. das Letras), do mexicano Juan Pablo Villalobos, 38. Trata-se de um livrinho fino, pouco menos de 100 páginas, capa chamativa e cheiro forte de tinta, que é uma das coisas legais que os tablets não podem oferecer.

Bem impressionado, pra ser preciso. Festa no covil é o tipo da historinha - podemos chamar de historinha sem medo de depreciá-la – que, fechada a aventura, fica piscando na cabeça dias e dias, e depois disso segue produzindo efeitos, convidando a uma nova olhada.

Tudo porque o universo criado é tão sugestivamente rico que, do mesmo modo que ansiamos retornar a um jogo de videogame para olhar novamente aquela paisagem ou percorrer determinado ambiente apenas porque nos “enche a vista”, temos vontade de entrar mais uma vez nas páginas. O personagem dá saudade.

Não é escapismo, entendam. A narrativa é bizarra, violenta em alguns momentos, e não por acaso Alcides Pécora comparou-a a O caderno rosa de Lora Lamby, de Hilda Hilst.

O enredo, se há enredo, é bem simples: Tochtli é o filho pequeno de um narcotraficante mexicano. O menino vive com o pai e seus comparsas numa mansão escondida. Tochtli tem quase tudo que uma criança gostaria de ter, talvez até mais. Mas faltam coisas no dia a dia do garoto. Agora, por exemplo, ele quer de presente um hipopótamo anão da Libéria. Caberá ao pai, um homem sórdido e patético, comprá-lo.

O resto é que o se passa na cabeça da criança.

E o que há de tão impressionante nisso tudo? O choque das palavras que saem da boca de Tochtli.

Sórdido ou patético? Nefasto, eu diria.

Leiam hoje ainda.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Cidade 2000

Outro dia, por razão que não vem ao caso, me vi na obrigação de ir até a Cidade 2000, um bairro estranho de Fortaleza, estranho e comum, como se por baixo de sua pele houvesse qualquer coisa de insuspeita sem ser, nas fachadas de seus negócios e bares uma cifra ilegível, um segredo bem guardado como esses que minha avó mantinha em seu baú dentro do quarto. Mas qual? Eu não sabia, e talvez continue sem saber mesmo depois de revirar suas ruas e explorar seus becos atrás de uma tecla para o meu computador, uma parte faltante sem a qual eu não poderia trabalhar nem dar conta das tarefas na quais me vi enredado neste final de ano. Depois conto essa história típica de Natal que me levou ao miolo de um bairro que, tal como a Praia do Futuro, enuncia desde o nome uma vocação que nunca se realiza plenamente. Esse bairro que é também um aceno a um horizonte aspiracional no qual se projeta uma noção de bem-estar e desenvolvimento por vir que é típica da capital cearense, como se estivessem oferec...

Atacarejo

Gosto de como soa atacarejo, de seu poder de instaurar desde o princípio um universo semântico/sintático próprio apenas a partir da ideia fusional que é aglutinar atacado e varejo, ou seja, macro e micro, universal e local, natureza e cultura e toda essa família de dualismos que atormentam o mundo ocidental desde Platão. Nada disso resiste ao atacarejo e sua capacidade de síntese, sua captura do “zeitgeist” não apenas cearense, mas global, numa amostra viva de que pintar sua aldeia é cantar o mundo – ou seria o contrário? Já não sei, perdido que fico diante do sem número de perspectivas e da enormidade contida na ressonância da palavra, que sempre me atraiu desde que a ouvi pela primeira vez, encantado como pirilampo perto da luz, dardejado por flechas de amor – para Barthes a amorosidade é também uma gramática, com suas regras e termos, suas orações subordinadas ou coordenadas, seus termos integrantes ou acessórios e por aí vai. Mas é quase certo que Barthes não conhecesse atacarejo,...

Trocas e trocas

  Tenho ouvido cada vez mais “troca” como sinônimo de diálogo, ou seja, o ato de ter com um interlocutor qualquer fluxo de conversa, amistosa ou não, casual ou não, proveitosa ou não. No caso de troca, porém, trata-se sempre de uma coisa positiva, ao menos em princípio. Trocar é desde logo entender-se com alguém, compreender seu ponto de vista, colocar-se em seu lugar, mas não apenas. É também estar a par das razões pelas quais alguém faz o que faz, pensa o que pensa e diz o que diz. Didatizando ainda mais, é começar uma amizade. Na nomenclatura mercantil/militar de hoje, em que concluir uma tarefa é “entrega”, malhar é “treinar”, pensar na vida é “reconfigurar o mindset” e praticar é “aprimorar competências”, naturalmente a conversa passa à condição de troca. Mas o que se troca na troca de fato? Que produto ou substância, que valores e capitais se intercambiam quando duas ou mais pessoas se põem nessa condição de portadores de algo que se transmite? Fiquei pensando nisso mais te...