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QUEIXAS OUTRAS


Nota pública ao público fiel da nossa linha

A gerência está reunida agora mesmo para tratar de assuntos do mais alto interesse de seus clientes. Nossos produtos, embora recolhidos para recall e sujeitos a alterações radicais nos próximos anos, foram concebidos com rigor por um grupo de engenheiros recém formados todavia bastante dispostos e precisados de dinheiro, no que, como podem ver, estão corretíssimos, visto que emprego hoje não dá em árvore, de modo que, cientes do nosso papel no novo modelo de negócios subjacente às mudanças que se seguiram à chegada das redes sociais e das novas formas de comunicabilidade, propusemos à direção do grupo a adoção de paradigmas mais condizentes com os tempos a cuja análise chegamos após havermos parametrizado absolutamente todo o espectro de crescimento: as classes C, D e E, com destaque especial para a C, motor da economia global e profunda referência na remodelação estética dos campos literário, audiovisual e, por que não acrescentar, tecnológico.

Sendo assim, pedimos a todos um pouco de compreensão, sem nos esquecermos de ressaltar que, mediante esforço repetitivo ao qual não se chega sem lesões, o produto final, aquele que repousa tranquilamente nas suas mãos, nas mãos do seu pai e nas da sua mãe, enfim, nas mãos da sua família e nas dos seus amigos e parentes, o que esperamos ardentemente é que o resultado do nosso trabalho fique cada dia melhor com o fito de tornar nossas vidas uma grande e inconsolável incógnita.

Assinado: Chefe-maior & Família.

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Restos de sombra

Coleciono inícios, restos de frases, pedaços e quinas das coisas que podem eventualmente servir, como um construtor cuja obra é sempre uma potência não realizada. Fios e tralhas, objetos guardados em latas de biscoito amanteigado, recipientes que um dia acondicionaram substâncias jamais sabidas. Se acontece de ter uma ideia, por exemplo, anoto mentalmente, sem compromisso. Digo a mim mesmo que não esquecerei, mas sempre esqueço depois de umas poucas horas andando pela casa, um segundo antes de tropeçar na pedra do sono ou de cair no precipício dos dias úteis. Às vezes penso: dá uma boa história, sem saber ao certo de onde partiria, aonde chegaria, se seria realmente uma história com começo, meio e final, se valeria a pena investir tempo, se ao cabo de tantos dias dedicado a escrevê-la ela me traria mais felicidade ou mais tristeza, se estaria satisfeito em tê-la concluído ou largando-a pela metade. Enfim, essas dúvidas naturais num processo qualquer de escrita de narrativas que não são

Essa coisa antiga

Crônica publicada no jornal O Povo em 25/4/2013  Embora não conheça estudos que confirmem, a multiusabilidade vem transformando os espaços e objetos e, com eles, as pessoas. Hoje bem mais que antes, lojas não são apenas lojas, mas lugares de experimentação – sai-se dos templos com a vaga certeza de que se adquiriu alguma verdade inacessível por meios ordinários. Nelas, o ato de comprar, que permanece sendo a viga-mestra de qualquer negócio, reveste-se de uma maquilagem que se destina não a falsear a transação pecuniária, mas a transcendê-la.  Antes de cumprir o seu destino (abrir uma lata de doces, serrar a madeira, desentortar um aro de bicicleta), os objetos exibem essa mesma áurea fabular de que são dotados apenas os seres fantásticos e as histórias contadas pela mãe na hora de dormir. Embalados, carregam promessas de multiplicidade, volúpia e consolo. Virginais em sua potência, soam plenos e resolutos, mas são apenas o que são: um abridor de latas, um serrote, uma chave-estrela. 

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