Nesta altura dos acontecimentos, só espero poder tocar o sol antes do solo. Ana Martins Marques.
Há dias tinha decidido perder o tempo que fosse preciso em busca da própria voz narrativa, essa emissão particular, intransferível, espécie de marca digital impressa sabe-se Deus onde, voz pela qual se procura desesperadamente durante tanto tempo que até nos esquecemos de que é bem possível, é verdade que é bem possível essa voz ir-se formando aos poucos, num vagar de eras acumuladas, passar de tempo medido em poeira, camada sobre camada, pele sobre pele, em busca de si.
Pele contra pele, determinação tal cuja origem ausenta-se mal a pressentimos, e que nos governa, e que nos irmana em desespero comum, fraterno, ânsia e desconcerto partilhados em porções salomonicamente iguais.
Um mundo todo feito de ânsia & desconcerto, par ordenado crucial, excruciante, e essa voz então seria um modo privado de comunicar verdades que o outro apanharia em pleno ar, sabendo-se mirado entenderia, o outro sendo aparelho decodificador, antena adaptada ao tipo de mensagem enviada através de toda a parafernália moderna, elétrica, eletrizante.
Um dardo sem paralisar, paralisante.
Veículo de causas e efeitos, único, o domínio parcial das más e boas maneiras, não absoluto, vez que é sempre risco ligar-se ao que não é você, o vínculo um sossego e um perigo sem tamanhos, o gostar entrega e golpe que parte de ti com destino à própria carne. Um cortar rasgando-se.
E ao mesmo tempo.
Voz narrativa para dizer o que fosse, era o que havia perseguido por tanto tempo, tanto que não lembrava.
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