Sim, de algum modo, é possível imaginar que haja uma segunda voz para cada coisa dita, e uma terceira para cada coisa apenas esboçada, mas não dita, o tipo da coisa que fica presa por anos e anos, à espera não que seja finalmente verbalizada, posta goela e língua e dentes afora, mas que os dias e depois os anos e por obra do tempo arredio as décadas enterrem-na bem fundo, essa coisa de que não gostaríamos de abrir mão, reconheçamo-lo, todavia, seja porque há todo um clichê de frases cuja validade é unicamente enfatizar a grandeza das perdas, seja porque, de uma maneira ou de outra, elas nos sobrevêm, não custa nada entender que nem tudo é feito para virar palavra.
Dito isso, é possível, sim.
Numa dessas andanças pelo shopping, o anúncio saltou da fachada da loja: “museu da selfie”. As palavras destacadas nessa luminescência característica das redes, os tipos simulando uma caligrafia declinada, quase pessoal e amorosa, resultado da combinação do familiar e do estranho, um híbrido de carta e mensagem eletrônica. “Museu da selfie”, repeti mentalmente enquanto considerava pagar 20 reais por um saco de pipoca do qual já havia desistido, mas cuja imagem retornava sempre em ondas de apelo olfativo e sonoro, a repetição do gesto como parte indissociável da experiência de estar numa sala de cinema. Um museu, por natureza, alimenta-se de matéria narrativa, ou seja, trata-se de espaço instaurado a fim de que se remonte o fio da história, estabelecendo-se entre suas peças algum nexo, seja ele causal ou não. É, por assim dizer, um ato de significação que se estende a tudo que ele contém. Daí que se fale de um museu da seca, um museu do amanhã, um museu do mar, um museu da língua e por
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