Motivado por urros de pavor e gritos moralizantes que reclamam civilidade e cultura da bárbara plateia, sempre a entreter-se com o que há de mais vulgar e tóxico no abundante cardápio das possibilidades humanas, pretendia falar sobre como me interesso por esse esporte que põe frente a frente, num ringue de oito lados conhecido como octógono, dois homens de quem não se espera nada, exceto que se esmurrem até que um deles, ou ambos, caia, desabando feito torres de 96 andares subitamente agredidas por aviões desnorteados.
Resumida, a situação é a seguinte: quando cidadãos dessa estirpe (submetidos a extenuantes rotinas de exercícios e treinos e à rigorosa alimentação) sobem ao ringue, fazem-no por dois motivos: duelar, sim, mas, principalmente, garantir o salário polpudo com que pagam as contas no final do mês, mantendo-se alguns patamares acima do nível de vida médio de qualquer brasileiro bem empregado.
Essa é uma questão que não pode ser deixada de lado: para eles, trocar socos é um trabalho tão legítimo quanto costurar vestidos ou administrar empresas.
Basicamente, é o que fazemos todo santo dia: lutamos contra instintos primitivos, enterramos desejos, sufocamos ganas de matar, sublimamos a violência e o ódio dirigidos a tanta gente. Entre uma coisa e outra, com mais ou menos sucesso, sobrevivemos, pagamos as contas, viajamos, compramos casa nova, criamos nossos filhos e os matriculamos na escola, onde, espera-se, após anos e anos de duro aprendizado, serão finalmente portadores de valores respeitáveis.
Se toda violência humana estivesse rigidamente confinada entre os oito lados de um ringue, meu bom Deus, nosso mundo seria outro...
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