Estando na sala por cerca de duas ou três horas, o pensamento repletamente concentrado, tomado de coisas por si mesmo, dava voltas e voltas em torno de uma questão literária de menor cabimento. Estando na sala, não evitou surpreender-se quando cinco ou seis das sementes de uma planta cuja flor é azul turquesa se espalharam pela casa, provocando efeito semelhante ao do entrechoque de bolas de gude atiradas ao acaso por mãos de criança ou ao de bolas de sinuca após uma tacada desastrosa.
Escrevia desde a manhã. Uma xícara de café ao lado do computador, pilhas de livros e revistas e o jornal do dia aberto na página de opinião constituíam o quadro matinal severamente repetido dia após dia, sem reclames, sem pausas nem intromissões. Estava nesse pé, dignamente recolhido, sequer tinha deixado a casa para almoçar. Parte preguiça, parte obsessão.
Um punhado de esferas negras feito sementes de maracujá saltou da estante, derramou-se no chão, escondeu-se atrás das cadeiras e entre as vias expressas desenhadas no espaço exato de uma cerâmica para outra.
Espantou-se menos com que houvessem rompido a casca cor da pele do que com sua presença. Era espectador de um bago seco de brotos esquisitos que, por obra de qualquer força cuja origem desconhece, desprenderam-se do interior da guarnição ressequida, um casulo por função, há dias posto num dos cantos da estante de plástico e lá esquecido até aquele momento.
Ligou para ela e comunicou o fato, tendo cuidado em construir clímax. Ela apenas ria. Para arrematar, arrogando-se um tanto apenas de poesia, contou da emoção que se seguira ao susto provocado pela explosão de sementes. Cada uma, disse, rolara para um ponto diferente da casa vazia.
Finalmente garantiu tratar-se de evento qualquer no desenrolar das horas.
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