Tenho experimentado escrever para dominar momentaneamente o sentimento do medo. Funciona, e não preciso recorrer a outros expedientes, sejam remédios, filmes, apelos, orações, bebidas, sono, psicanálise etc. É simples: convívio. Escrever é coabitar, estar perto, sentir-se dentro, pertencer. Em alguma medida, também quer dizer desafiar, encarar, cuspir na cara.
Finalmente, escrever é resignar-se. Todos os sentidos estão reunidos aqui, agora. Menos por vontade própria que por alguma inevitabilidade presente em qualquer coisa viva. Não escolhi nada, o que veio, veio e pronto.
O medo está aqui, não posso fazer nada, exceto identificar o medo, cercar o medo, olhar sério para o medo, simulando expressão de enfado e, em caso de ineficácia, inequívoco desgosto, até finalmente atingir aquele estágio de desespero em que sorrimos descarados para o medo.
Cercado por zumbis, sozinho no corredor, três balas no pente e sem chances de fuga. Medo. Pânico. Desespero. Graça. Ninguém além de mim morreu devorado por dezenas de mortos-vivos cheios de fome. Esse ponto de vista é fundamentalmente animador.
O medo é nativo, passivo, fixo, dominante, e se satisfaz com pouco.
Até a escrita dar as caras. Não é antídoto, não é nada solene, resoluto, importante, uma investida guerrilheira contra o inimigo imperialista. Bem menos, é frugal, simples, cotidiana. Contra isto, aquilo. Funciona. Agora, por exemplo, sinto-me capaz de subjugar a dormência e os suores e a impressão hiper-realista de que estou prestes a escorregar através do brinquedo aquático mais alto do parque.
Não estou. Estou aqui, vivo. O medo é aniquilador. Disse pro meu pai: ‘Pai, as coisas são assim mesmo’, ao que respondeu: ‘Não diga isso, meu filho’. Pai, são assim e pronto. O senhor não pode retrucar. Contente-se com isso.
Não precisaria dizer, grande bobagem. O medo é apenas essa luzinha vermelha que pisca intermitentemente. Ela informa que o combustível está chegando ao fim. Talvez seja interessante reabastecer o carro.
Comentários