O BANHEIRO E O MUNDO DO BUSINESS
Francis Santiago
Ao passo que o brasileiro Santos Dumont quedou-se enfermo, triste e inconsolável ao descobrir que seus aviões estavam sendo utilizados na guerra, com o fito indefensável de matar o semelhante, decerto o inglês John Harington (1586-1616), inventor da privada, não folgaria em descobrir a merdafestança política que se dá, na Terra da Luz, em torno de sua criação.
Ora, direis, fazer banheiros! Há uma semana, o jornal do chicote enfia a mão buliçosa na latrina da família Menezes, trazendo de lá rocambolescos enredos e tramoias cujo odor empesta a sala dos nossos amados leitores. Por motivo coberto de alvejante, claro: insalubre e sanitária tarefa, executada por narizes empertigados que não produzem sequer um vacilante fummmmm à medida que a catinga se adensa, a marmota eleitoral é a ponta de um grande rolo à mostra para que nós, cearenses de todas as naturezas, com ou sem prisão de ventre, possamos fazer nossos juízos.
Ora, direis, fazer dinheiro! Harington era tradutor e pretendia fazer-se conhecido de todas as gentes escrevendo teatro, sonho mavioso que, para gáudio da intelligentsia real elisabetana, jamais se cumpriu. Banido da corte britânica por suas peças irreverentes e versões canhestras para o inglês de obras (literárias, registre-se) como Orlando, o furioso, o pai da privada, cujo sobrenome curiosamente difere de Menezes, passou tempos acercando-se de um problema elementar: como tornar-me famoso e faturar algum dinheiro sem grande esforço?
Incorre em acerto o leitor que houver imaginado que o inglês terminou optando pela carreira política, ainda que indiretamente. Seu acalentado desejo de ser recebido como herói na corte foi pavimentado por um constructo inusitado para o intestino grosso da época: um fosso artesanal, de generosas dimensões, por meio do qual os rejeitos do corpo da rainha, e os de qualquer plebeu, eventualmente, poderiam acorrer, desimpedidos de obstáculos.
Estava criada a privada, protagonista de um teatro privé ainda maior: o banheiro. Como tudo na contemporaneidade, a figura do nobre assento despejante é polissêmica. Banalizado na política, avacalhado nas peças de Zé Celso, tragicômico nos jantares formais, reelaborado na Feira dos Pássaros, supervalorizado em festas como Fortal e Halleluya (os químicos são onerosos), o banheiro recupera o ethos humano, escanteado com tanta tecnologia. Nele humanizam-se o rico, o pobre, o velho e o jovem, a mulher e a menina, o cabra e a cabra.
Os Menezes precisam saber: no mundo, 2,5 bilhões de pessoas não têm acesso a banheiros. No Brasil, são 13 milhões os indivíduos que, não tendo sanitário onde possam depositar o subproduto da alimentação, defrontam-se com o problema: rebolar no mato ou enterrar?
Mesmo figurões da alta sociedade e ricaços de plantão devotam tempo e dinheiro a discutir saídas para o gargalo sanitário que vitima principalmente os países africanos. Durante mesa na AfricaSan (Conferência Sanitarista Africana, realizada em julho último em Kigali, na Ruanda), o colosso da informática Bill Gates admitiu: "Nós precisamos reinventar o vaso sanitário”. O pai do PC, que falava bastante sério, acrescentaria: "Nós precisamos aprender a não pensar no cocô como restos inúteis, mas em uma matéria-prima que podemos reciclar ao custo de poucos centavos por dia". Tem que ver isso aí direitinho, família Menezes.
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