Era pra ser uma carta, um documento que atestasse cabalmente que a situação é das mais difíceis, nosso desembarque na Normandia não obedeceria os mesmos padrões do anterior, o mar antes quieto feito batente de janela não está pra peixe, talvez nunca tenha estado, é verdade, mas acontece que durante muito tempo acreditamos que valeria a pena nadar até o outro lado da costa, as braçadas cada vez mais fortes, as dela um tanto destrambelhadas, as minhas respeitando os cinco anos de natação na adolescência, de todo modo braçadas sincronizadas, respiração e força muscular em conformidade com o restante, e isso foi realmente algo bacana, algo bonito de se ver e que podíamos destacar na gente com uma ponta indisfarçável de orgulho:
Saca isso, é muito bom!
Era pra ser uma nota explicativa, dessas que povoam dissertações, monografias e teses, uma nota de rodapé que trouxesse informações extras como os extras dos filmes acrescentam uma ou outra coisa interessante ao que acabamos de ver na tela e eventualmente produzem rasgos iluminados, uma nota que traduzisse a ideia quase matemática que costumo alimentar de coisas não matemáticas. Um espaço, um objeto, por trás do objeto, preenchendo-o, esvaziando-o, outro objeto, e, quando os objetos se encaram, estranham-se, e quando se estranham ocorre qualquer coisa que não sabemos direito.
Era pra ser uma circular bem formal dando a conhecer que era presente. Até que fugiu do controle, estourou, faliu, ruiu, como queiram, embora sempre tente evitar todo esse conjunto detestável de metáforas da construção civil para me referir a relacionamentos, casamentos não são casas, brigas não são varandas, ciúmes não são quartos com janelões, despedidas não são apartamentos de 56 metros quadrados. Quando tudo acaba, nada vem abaixo.
Era pra ser um concerto, mas, com o tempo, virou apenas esse querer dizer e calar em ritmo de sanfona.
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