Era simples: não sabia o que era a Dor. Até senti-la, obviamente, exatos 30 meses depois do começo idílico como todo começo parece ser, não tinha a mais vaga noção do que poderia ocorrer a alguém que perdesse alguma coisa querida, docemente querida, de modo que, ao sair do quarto por tanto tempo habitado, parou um instante na soleira da porta e comprimiu levemente a mão sobre o peito.
Engoli um abacaxi, foi o que pensou, confundindo a Dor com uma fruta que se descasca e se come em rodelas.
Mas logo viu que as frutas nada têm a ver com sentimentos, viu também que seríamos incapazes de permanecer muito tempo com algo maior que uma bola de tênis entalado na garganta, que, mesmo os objetos indesejados que escorrem goela abaixo não se demoram mais que alguns dias, meses ou anos ali, atravessados, causando desconforto suficiente a ponto de nos fazer vomitar o café da manhã tão logo bata ao portão do estômago.
Há enzimas no corpo humano, lembrou da aula, que se encarregam elas mesmas de reduzir qualquer bloco de concreto armado a duas ou três farpas mal digeridas. Entretanto, não soube prontamente o que isso quereria dizer, apenas imaginou e, quando imaginava o que quer que fosse, perdia sempre a razão.
De modo que foi dormir e acordou outra mulher. Um mar de olheiras, mas inteiramente nova.
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