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Take a cigarrete


Bom, bom. Estamos aqui para falar sério ou o quê? Ora, não sei por onde nem como começar, disse Y. Nem eu, respondi soltando nuvenzinhas de fumaça.

Bom, bom. Estávamos ontem mesmo falando do que quer que seja quando de repente nos ocorreu qualquer idéia maluca. A idéia maluca logo se converteu em qualquer coisa exeqüível. Foi tudo muito rápido. Será realmente posta em prática?

Prontamente, disse.

Os textos são cada vez mais necessários, despistou. Contradisse-o com informação. Há menos gente interessada na leitura do que na copa do mundo. Há menos gente interessada na leitura do que na televisão. Isso há pelo menos cinco gerações. Há menos gente interessada na leitura do que na gastronomia.

ISSO É - questionável.

Isso é verdade. Sempre foi. Sempre será.

Desisto.

Quero um cigarro.

ANDO ATÉ O BALCÃO DA COZINHA. ALI, EM CIMA DA NOVA EDIÇÃO DE SERROTE, UM MAÇO DE MARLBORO. A CAIXA VERMELHA BRILHA INTENSAMENTE. ANTEVEJO A CENA: ACENDEREI O CIGARRO E, EM SEGUIDA, CAMINHAREI SEM PRESSA AO LONGO DO CORREDOR ESTREITO DO CONDOMÍNIO. ESTAMOS SENDO FILMADOS? QUE NOS FILMEM, POIS.

Embalagem linda, não? Lembra uma boa capa de livro. Gosto dela. Embora seja um cigarro forte, gosto.

Y. não relacionou cores e formas. Nem confirmou arrolou dados atualizados do Ministério da Saúde. Disse apenas “É simples”. É mesmo, concordei. Sim, nós podemos.

Ora, ora.

Fomos dormir depois de tudo isso. Afinal - Y. aconselhou não uma, mas cinco vezes –, leitores são costumeiramente preguiçosos. Não gostam de ler nada que vá além dos 140 caracteres.

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