VALSA COM O DIABO
ANIMAÇÃO VALSA COM BASHIR, DO ISRAELENSE ARI FOLMAN, TEM EFEITO DUPLO NO PÚBLICO: SEDUZ COMO ANIMAÇÃO E DESTRÓI COMO OBRA DE ARTE
HENRIQUE ARAÚJO>>>ESPECIAL PARA O POVO
O leitor assistiu a Persépolis, animação baseada na graphic novel da iraniana Marjane Satrapi? Se sim, sabe do que esse filme é capaz. Agora, novidade: Valsa com Bashir vai além. A história da jovem Satrapi é levemente trágica, mas carregada de um sentimento de comicidade. Valsa é tenso, duro, psicodélico. Persépolis expõe uma realidade irrespirável. Valsa é incisivo, mal-educado. Passar por ele é um choque.
A história é simples: um diretor de cinema israelense quer reconstruir a própria memória da guerra do Líbano (1982). Quer juntar cacos, remendar feridas, costurar episódios soltos. Decide regredir no tempo depois de uma conversa com um amigo. Ari Folman, o diretor, está num bar, e o companheiro lhe conta: vem sonhando seguidamente com 26 cães. Eles percorrem as ruas da cidade, derrubam as pessoas, mas não mordem a quem encontram. Eles querem alguém. Logo o episódio ganha contornos reais. Recalcados, os massacres da guerra vêm à tona. Primeiramente, aos poucos, como um jorro tímido. Depois, em cachoeira.
Dito assim, Valsa com Bashir é como qualquer outro filme de guerra. A diferença é que se trata de animação. Entretanto, a força da narrativa é projetada mil vezes adiante quando Folman diz exatamente por que escolheu contar uma história de morte por meio de uma narrativa ligada ao universo das graphic novels. Ele diz: queria atrair outro público, um público jovem. Noutro momento, revela que a animação era o único recurso disponível, o único suporte capaz de expressar as memórias da guerra. Para falar da loucura, tinha de inventar uma linguagem, criar imagens que não obedecessem aos códigos mais ordinários.
Assim nasceu o documentário, que venceu o Globo de Ouro e foi finalista do Festival de Cinema de Cannes. Nele, a loucura da guerra parece ter encontrado tradução precisa. É irrevogavelmente um clássico moderno. Esteticamente, é impecável. Narrativamente, é uma pedrada. Porque Valsa não apenas joga com realidade e ficção ao recorrer à figura do entrevistador – durante o filme, o diretor de cinema e ex-soldado persegue a trajetória de antigos camaradas do exército para entrevistá-los. Ele é claro, explícito: isto é um filme, uma animação, mas os fatos contados realmente aconteceram. Não há brincadeira. Em entrevista, Folman costuma dizer: não fiz Valsa com Bashir para ser cool.
De fato, ele não é. Há o risco, que se desfaz em muitos momentos e se esvai totalmente no fim. Porque há surpresa, uma drástica surpresa. Digamos: um encontro de linguagem que torna a experiência de ver a animação totalmente diferente. Sem meias palavras: Folman puxa nosso tapete. Caímos duros no chão.
ANIMAÇÃO VALSA COM BASHIR, DO ISRAELENSE ARI FOLMAN, TEM EFEITO DUPLO NO PÚBLICO: SEDUZ COMO ANIMAÇÃO E DESTRÓI COMO OBRA DE ARTE
HENRIQUE ARAÚJO>>>ESPECIAL PARA O POVO
O leitor assistiu a Persépolis, animação baseada na graphic novel da iraniana Marjane Satrapi? Se sim, sabe do que esse filme é capaz. Agora, novidade: Valsa com Bashir vai além. A história da jovem Satrapi é levemente trágica, mas carregada de um sentimento de comicidade. Valsa é tenso, duro, psicodélico. Persépolis expõe uma realidade irrespirável. Valsa é incisivo, mal-educado. Passar por ele é um choque.
A história é simples: um diretor de cinema israelense quer reconstruir a própria memória da guerra do Líbano (1982). Quer juntar cacos, remendar feridas, costurar episódios soltos. Decide regredir no tempo depois de uma conversa com um amigo. Ari Folman, o diretor, está num bar, e o companheiro lhe conta: vem sonhando seguidamente com 26 cães. Eles percorrem as ruas da cidade, derrubam as pessoas, mas não mordem a quem encontram. Eles querem alguém. Logo o episódio ganha contornos reais. Recalcados, os massacres da guerra vêm à tona. Primeiramente, aos poucos, como um jorro tímido. Depois, em cachoeira.
Dito assim, Valsa com Bashir é como qualquer outro filme de guerra. A diferença é que se trata de animação. Entretanto, a força da narrativa é projetada mil vezes adiante quando Folman diz exatamente por que escolheu contar uma história de morte por meio de uma narrativa ligada ao universo das graphic novels. Ele diz: queria atrair outro público, um público jovem. Noutro momento, revela que a animação era o único recurso disponível, o único suporte capaz de expressar as memórias da guerra. Para falar da loucura, tinha de inventar uma linguagem, criar imagens que não obedecessem aos códigos mais ordinários.
Assim nasceu o documentário, que venceu o Globo de Ouro e foi finalista do Festival de Cinema de Cannes. Nele, a loucura da guerra parece ter encontrado tradução precisa. É irrevogavelmente um clássico moderno. Esteticamente, é impecável. Narrativamente, é uma pedrada. Porque Valsa não apenas joga com realidade e ficção ao recorrer à figura do entrevistador – durante o filme, o diretor de cinema e ex-soldado persegue a trajetória de antigos camaradas do exército para entrevistá-los. Ele é claro, explícito: isto é um filme, uma animação, mas os fatos contados realmente aconteceram. Não há brincadeira. Em entrevista, Folman costuma dizer: não fiz Valsa com Bashir para ser cool.
De fato, ele não é. Há o risco, que se desfaz em muitos momentos e se esvai totalmente no fim. Porque há surpresa, uma drástica surpresa. Digamos: um encontro de linguagem que torna a experiência de ver a animação totalmente diferente. Sem meias palavras: Folman puxa nosso tapete. Caímos duros no chão.
Comentários