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Um longo suspiro sobre nada

Sim, era o que tinha em mente. Escrever num fim de domingo ao som de “Década Explosiva Romântica”. Aquela mesma coletânea de canções bastante conhecidas que embalou as bebedeiras de meu pai ali quando ambos, ele e eu, tínhamos pouco ou quase nada na cabeça. Dê um exemplo?

“Roberta, io che non vivo” é um. “Reflections of my life” é outro. “Michelle”, mais um. Todas elas vêm da rua, da esquina, do bar, do grupo de desocupados que, neste fim de domingo, resolveu embarcar na máquina do tempo e reviver os velhos tempos.

Que arrepio... “Reflections...” é linda. Ouçam aqui o disco todo. Tentem não chorar, lembrar das bobagens que nos acontecem quando temos todos dez anos. Duvidam? Trecho da música.

I'm changing, arranging

I'm changing, I'm changing everything
Oh, everything around me
The world is a bad place
A bad place, a terrible place to live
Oh, but I don't wanna die

Vocês conhecem Billy Joe Thomas? Ele é responsável por isto:

She was just sixteen and all alone when I came to be

So we grew up together, my mama-child and me
Now things were bad and she was scared but whenever I would cry
She’d calm my fear and dry my tears with a rock and roll lullaby

Era a predileta. Não riam dela. Gosto ainda hoje. Chama-se “Rock ‘n Roll Lullaby”. Se forem ao dicionário buscar o significado da música, encontrarão uma foto do meu pai empunhando um copo de cerveja ao lado do meu tio. Ambos bêbados e tristes. Porque o tempo não volta. Nem as meninas, nem mesmo os jogos na esquina. Nem as farras que viravam a noite. Nem os espermas (meus primos e eu) podemos encontrar o caminho de volta e, sem mais, irmos entrando, como se nada tivesse acontecido nos últimos vinte e poucos anos – porque depois dos vinte e cinco tudo vira “vinte e poucos...” Ninguém pode fazer mais nada senão ouvir novamente as músicas. As mesmas de há trinta anos.

Peguei uma coisa emprestada ao Oskar. Acho que ele não vai se importar. Acaso forem ao dicionário e buscarem o significado da palavra “camarada”, darão de cara com uma foto do Oskar.

Hoje está estranho. Suficientemente estranho para que volte a olhar para os lados à procura do "camera-man". Quem sabe holofotes acima da cabeça. Quem sabe figurantes tomando o mesmo ônibus que eu. Quem sabe o merchandising na marca da calcinha street daquela menina que cruzou comigo no shopping. Como seus pais permitem que faça isso, ande com a borda das vergonhas à mostra? Que mundo é esse?

Agora ouçam isto aqui:

Michelle ma belle

These are words that go together well
My michelle
Michelle ma belle
Sont des mots qui vont
Tres bien ensemble
Tres bien ensemble
I love you, i love you, i love you
That´s all i want to say

Acabou. Eles ficam na esquina ouvindo essas coisas. Como meu pai fazia quando tinha talvez a idade que tenho hoje. E um filho de oito anos. E minha mãe ainda tinha pique para rasgar com a tesoura as camisas sujas de batom e esperá-lo atrás da porta com um bom pedaço de ripa. E minha avó nem tinha tantos cabelos brancos nem a fala arrastada que tem hoje. Porque depois de um pequeno problema ela ficou com as palavras levemente enroladas. Mais do que é normal para alguém de oitenta anos cuja língua passeia livremente numa boca sem dentes, como gelatina dentro de um copo azeitado com iogurte.

O que pretendem fazer neste fim de domingo? Falar do que se foi? Faz bem. Brás Cubas sabe disso. A proprósito, leiam o caderno de domingo dos dois jornais mais importantes de Fortaleza – porque são basicamente os únicos. Ambos tratam de Machado de Assis.

Fazia tempo que não vinha aqui. Vão, o dono é bem legal.

O que posso dizer sobre a leitura dramática de José Castello no CCBN, nas últimas quinta e sexta?

Bem, resumindo, que tinha uma mulher portando uma bolsa bem chique de couro. Depois que Castello, que é jornalista e escritor e entrevistou gente como Saramago e Hilda Hilst, pra ficar em dois nomes absolutamente incontestáveis, depois que ele mastigou as primeiras sílabas da quinta-feira, essa mesma mulher a quem me referi um pouquinho atrás sacou da bolsa um porta-bolsas. Melhor: um gancho inox em forma de L, mas um pouco mais encurvado. Seu ângulo não era reto. Não estou falando da mulher, mas do gancho.

Para que serve? Prender ao braço da cadeira e, na extremidade, pendurar a bolsa. Como os açougueiros dependuram os traseiros dos bovinos nas câmaras frias. Foi isso que vi na palesta. Uma bolsa pendurada como um quarto de boi. Nada além disso.

Tem mais? Sim, tem. “A cartomante” é um conto bem ruim. Pronto, falei. Machado pega uma coisa boba e a alonga. Meu Deus, que prazer alguém pode tirar da leitura de “A cartomante”?! Enquanto procurava resposta para isso, olhava fixo na direção do gancho inox.

Na sala havia: jornalistas e estudantes de jornalismo. Professores? Talvez. Não sei que tipo de gente havia ali. Apenas que todos tavelz tivessem um bom motivo para estar às 13 horas no centro de Fortaleza. Eu não tinha. Fui embora às 15 depois de um café na lanchonete que fica em frente ao CCBN. Lá, pede-se um café com leite com bastante leite. Lá também as atendentes cosutam ignorar o que as pessoas que ficam do outro do balcão lhes pedem e seguem num monólogo solitário que dura exatamente de oito a dez horas diárias.

Pensava que tivessem simplesmente desligado o som. Agora percebo que ele, o disco, foi repetido a uma altura praticamente inaudível.

Leitura comentada de quem quer que seja tem graça. Em resumo: alguém metido lê e diz o que pensa a respeito de cada vírgula posta ali por outro cara ou mulher. Para vocês terem uma idéia do que foi a oficina, Castello demorou-se quarenta minutos comentando uma única e boba frase de Machado de Assis. Isso mesmo. Uma que falava de trapézio. Um trapézio que o escritor tinha na cabeça e, claro, ficava para um lado e outro, indefinido. Eis aí uma boa metáfora para a literatura do fluminense: é pendular. Machado era trapezista das idéias, gostava de brincar com o leitor, enredá-lo criando emaranhados e pequenos labirintos feitos de palavras. Era assim com tudo. Nesse conto, Machado joga com o velho triângulo amoroso. Dum modo inteligente, sim. Mas apenas isso.

Preciso ler Machado de Assis de verdade.

Agora desligaram o som definitivamente. O carro foi embora. Só no fim de semana que vem. O primeiro de outubro. Estamos a três meses do final de 2008. Isso é realmente fantástico. A três meses do final do ano.

O que mais? Bom, insistente que sou, fui no dia seguinte. A mesma coisa. Depois de ter comido panelada – sim, “I ate tripa de porco in lunch time” – e caminhado alguns metros do lado da sombra, chegamos ao centro, quente, mas não abafado, sujo, mas não imundo, legal, mas não exatamennte o melhor lugar do mundo para se dar uma volta hoje em dia. Chegamos atrasados dez minutos e saímos na primeira metade da palestra. Aquela coisa: para compensar que cheguei tarde, vou sair mais cedo.

Quem dizia isso?

Próximo domingo tem surpresa. Comprem seus jornais ou esperem os links. A coisa vai ser legal. Eu prometo.

A Ferrari ferrou o Felipe em Cingapura. Que triste.

Tentei assistir “Oldboy” depois do almoço. Ao lado, minha esposa revirava os olhos, esticava as pernas, puxava os lençóis, resmungava, coçava-se, sacudia-se, mudava de lugar. Até que finalmente resolveu perguntar: “Que filme estranho é esse?”

Por favor, não assistam “Oldboy” depois do almoço. Tenham comido panelada ou apenas miojo.


Até.

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