Pular para o conteúdo principal

O Destino apontou e disse: "Como você se chama?"

NÃO SOU FATALISTA. Não acredito que coisas ruins aconteçam apenas com pessoas cujas linhas da mão comportam destinos ruins. Nas linhas, destinos ruins. Não podem correr ou se esconder. É pior. Uma viga cairá nas suas cabeças, um filtro, uma geladeira. Um jarro contendo margaridas espatifar-se-á contra o dorso dessa pessoa, e ela morrerá sem saber o que a atingiu, quem ou quando. Muito menos por quê.

Não acredito em nada disso. Mas acredito, sim, que, em alguns casos, em situações absolutamente especiais, em condições inacreditavelmente específicas, irreproduzíveis em laboratório ou mesmo inenarráveis — em momentos assim, certo tipo bastante incomum de ondas cerebrais costuma atrair eventos ou fenômenos estranhos. Disso decorre que coisas estranhas passem a inesperadamente acontecer a certo tipo de gente igualmente estranha. De forma que, antes que perca a linha do raciocínio, é totalmente previsível que pequenos mas poderosos incidentes acabem marcando a trajetória dessa nada especial raça. Os membros da confraria de abençoados saem e logo um mundo inteiro de pequenas extravagâncias se desprende do fundo de algum lago apodrecido por anos e anos de cobertura verde e se interpõe entre eles e a felicidade plena, se projeta e escurece qualquer horizonte de possibilidades amenas. A isso chama-se Terror Absoluto.

Bom, estou começando a desconfiar que integro essa vasta família de desgarrados da sorte.

Amanhã talvez diga exatamente por quê desconfio disso.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Museu da selfie

Numa dessas andanças pelo shopping, o anúncio saltou da fachada da loja: “museu da selfie”. As palavras destacadas nessa luminescência característica das redes, os tipos simulando uma caligrafia declinada, quase pessoal e amorosa, resultado da combinação do familiar e do estranho, um híbrido de carta e mensagem eletrônica. “Museu da selfie”, repeti mentalmente enquanto considerava pagar 20 reais por um saco de pipoca do qual já havia desistido, mas cuja imagem retornava sempre em ondas de apelo olfativo e sonoro, a repetição do gesto como parte indissociável da experiência de estar numa sala de cinema. Um museu, por natureza, alimenta-se de matéria narrativa, ou seja, trata-se de espaço instaurado a fim de que se remonte o fio da história, estabelecendo-se entre suas peças algum nexo, seja ele causal ou não. É, por assim dizer, um ato de significação que se estende a tudo que ele contém. Daí que se fale de um museu da seca, um museu do amanhã, um museu do mar, um museu da língua e por

A mancha

Vista de longe, em seu desenho irregular e mortiço, a mancha parecia extravagante, extraterrestre, transplantada, algo que houvesse pousado na calada da noite ou se infiltrado nas águas caídas das nuvens, como chuva ou criatura semelhante à de um filme de ficção científica. Mas não era. Subproduto do que é secretado por meio das ligações oficiais e clandestinas que conectam banheiros ao litoral, tudo formando uma rede subterrânea por onde o que não queremos nem podemos ver, aquilo que agride os códigos de civilidade e que é vertido bueiro adentro – o rejeito dos trabalhos do corpo –, ganha em nossos encanamentos urbanos uma destinação quase mágica, no fluxo em busca de um sumidouro dentro do qual se esvaia. A matéria orgânica canalizada e despejada a céu aberto, lançada ao mar feito embarcação mal-cheirosa, ganhando forma escura no cartão-postal recém-requalificado e novamente aterrado e aterrador para banhistas, tanto pela desformosura quanto pelos riscos à saúde. Não me detenho na es

Cansaço novo

Há entre nós um cansaço novo, presente na paisagem mental e cultural remodelada e na aparente renovação de estruturas de mando. Tal como o fenômeno da violência, sempre refém desse atavismo e que toma de empréstimo a alcunha de antigamente, esse cansaço se dá pela falsa noção da coisa estudadamente ilustrada, remoçada, mas cuja natureza é a mesma de sempre. Não sei se sou claro ou se dou voltas em torno do assunto, adotando como de praxe esse vezo que obscurece mais que elucida. Mas é que tenho certo desapreço a essas coisas ditas de maneira muito grosseira, objetivas, que acabam por ferir as suscetibilidades. E elas são tantas e tão expostas, redes delicadas de gostos e desgostos que se enraízam feito juazeiro, enlaçando protegidos e protetores num quintal tão miúdo quanto o nosso, esse Siará Grande onde Iracema se banhava em Ipu de manhã e se refestelava na limpidez da lagoa de Messejana à tarde. Num salto o território da província percorrido, a pequenez de suas dimensões varridas