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The last of us: a jornada de Joel e Ellie

Atravessei quatro estações , matei mais homens que monstros, vasculhei buracos, salvei uma garotinha da morte, fui salvo por ela, caminhei no frio, resolvi charadas, desvendei mistérios, acionei mecanismos que levantam portas e outros que baixam portas, fui a partes diferentes de muitas cidades e presenciei o horror provocado por uma epidemia.  Lembrei de quando tudo era diferente, havia pessoas nas ruas e jornais e cinemas e cafés e aos domingos as praças estavam cheias. Reencontrei fotografias perdidas sob os escombros do que costumava ser uma casa. Sobrevivi ao custo dos despojos de famílias infectadas. E ainda não é o fim. O que vou dizer é algo deliberadamente grandiloqüente e, por isso mesmo, adequado à situação: The last of us é talvez o melhor jogo de videogame já feito, não apenas no PS3, mas também nos velhos SNES, Mega e Master, com uma breve passagem pelo Mega Drive, já que falo a partir de uma experiência particular com consoles, particular e errátic...

Cobrindo distâncias

Espanta é descobrir todo dia que escrever é quase sempre tatear às escuras, procurar um fiapo de sentido para um problema muitas vezes sem contornos claros, tentar moldar um boneco de neve ou barro debaixo d’água. A gente nunca sabe direito o que tem no final. E quando chega, o fim não parece o fim de coisa alguma. O fim é esse lugarzinho arbitrário fincado num ponto distante ao qual devemos chegar mediante esforço próprio, torrando as energias acumuladas, alargando habilidades, inventando uma ética e uma técnica ao longo da jornada. A empreitada é exigente, requer muita energia, dá vontade de desistir o tempo inteiro, mas sem ela é tudo muito pior, é tudo muito menor. Trata-se de um mecanismo de descoberta. Toda jornada tem um único objetivo: forjar uma ética e uma técnica. Pensem em Homero e em Ulisses, pensem em Tolkien e nos hobbits, em Stephen King e no grupo de garotos que sai de casa à procura de um corpo.  Pensem no sem número de personagens que, por alg...

Esse almoço ainda demora?

O que foi legal na Flip? E o que não foi? Primeiro o que não foi: 1. Como em qualquer edição da festa, algumas mesas foram bem-sucedidas, outras não, cabendo aí, por razões inescapáveis, o debate sobre o que é considerado bem-sucedido nesse tipo de evento, cuja plateia lembra bastante a das arquibancadas de outra festa recente no Brasil, a da Fifa. 2. O fato foi lateralmente mencionado por um dos participantes da Flip, Gilberto Gil, que se manifestou contra a predominância de uma massa majoritariamente branca nas arenas durante os jogos da Copa das Confederações. Foi muito aplaudido, claro. Teria sido mais se houvesse estendido a crítica à própria homogeneidade na cor da pele da plateia da Flip? Acredito que não. Pudera. Fica feio aceitar participar de um evento e depois criticar o público que toma parte dele. Mais feio ainda é fazer de conta que tudo ali é muito diferente. Gil foi esperto. Atirou no passado e deixou o presente de lado, em seu cantinho, vibrando s...

Alegria contra o baixo astral

Apenas ontem vi A alegria , de Felipe Bragança e Marina Meliande, uma profecia exibida em 2010, ano de Copa do Mundo, ano eleitoral. No filme há uma ou duas cenas marcantes pelo caráter antecipatório: uma delas é a revolta dos jovens portando cartazes e enfrentando a polícia com uma fúria exemplar três anos antes das manifestações contra o aumento da tarifa de transporte em SP e RJ, a reboque das quais sobreviriam todas as demais, pulverizadas e volatilizadas por um sentimento difuso de mudança, mas todas igualmente surpreendentes pela força que canalizavam – e carnavalizavam. A outra cena é a dos jovens mascarados reunidos na cozinha de um apartamento de classe média baixa após selarem um pacto – DILMA, os créditos, por favor! – no centro do qual está a promessa de que envelheceriam corajosos – ou, caso contrário, não envelheceriam. Um gesto de radicalidade tipicamente adolescente? Pergunta retórica? Piada? Uma preocupação genuína?   Com que idade uma pessoa se tor...

Vinagrete Sport Club

À falta de um nome adequado para o que vem ocorrendo, cada um resolve chamar como quer. Revolução ou marcha reformista, primavera ou inverno, baderna ou mudança, intifada hormonal ou radicalização democrática. A guerra em curso diz respeito menos às mudanças no sistema de transporte do que à forma de recepção da multiplicidade de mensagens endereçadas a uma audiência igualmente difusa. Todo mundo entende como quer a frase encontrada na garrafa. Quatro estações não são suficientes para classificar os atos das ruas. O espectro político não se reduz a direita ou esquerda, nem se esgota nas palavras de ordem. Os jovens irmanam-se enquanto duram as passeatas. A rejeição é a tônica dos protestos. Nas redes sociais, nas ruas, nos bares, há esse clima de clube do Bolinha. Se tiver bilhete para as manifestações e comungar valores semelhantes, ambos critérios de corte, dentro; do contrário, fora. Há os revolucionários e reformistas; e há os “reaças”, como gostam de falar,...

Projetor velho, cinema novo

Um brasileiro que retornasse de viagem após dois anos em Júpiter sem receber notícias do próprio país teria grandes chances de ser acometido por uma trombose cognitiva ao não reconhecer nas ruas tudo que aprendeu sobre esse lugar de gente cordata cujo modo de vida a empurra sempre adiante, a despeito das piores condições de trabalho. Ao menor contato com a atmosfera nacional, esse brasileiro alienígena, aclimatado às leis naturais que punham nosso povo sempre com os pés atados ao chão, enfrentaria dificuldades para entender o que se passa. Confuso, nosso cidadão recém-chegado de outro planeta ligaria imediatamente a tevê. Cenas de protestos, avenidas tomadas, carros incendiados, repressão, frases desconexas, autoridades perplexas, cartazes vocalizando bandeiras de todos e de nenhum partido. As conchas do velho cenário de Brasília servindo agora como projetores de um cinema novo, com atores livres dos cacoetes da tradicionalmente caquética escola de dramaturgia tupiniquim fo...

Acordando pro coaching

Desde que assumi o compromisso de escrever um texto todo santo dia, minha vida não mudou nadinha, exceto que acordo pensando sobre o que escrever e durmo eventualmente considerando uma besteira que falei e sentindo o travo metálico-terroso que a gente sente depois de falar bastante numa conversa e depois se calar. Nessas horas escutamos o eco da nossa própria voz dentro da cabeça, e ela nunca é aprazível. É essa sensação esquisita e incômoda que chamo agora de gostinho de terra, não é agradável, é ruim, pra falar a verdade, e tentamos evitá-la a todo custo, mas nem sempre conseguimos. Sentia isso mais forte quando era adolescente e me reunia com amigos na esquina pra jogar conversa fora e depois de muitas horas jogando conversa fora sobre os mais diversos assuntos, cada um tendo falado horrores, um dispositivo soava na mente juvenil como um apito de fábrica avisando ao proletariado que já era hora de ir pra casa.   Às vezes é exatamente assim que sinto as coisa...