Um
brasileiro que retornasse de viagem após dois anos em Júpiter sem receber
notícias do próprio país teria grandes chances de ser acometido por uma trombose
cognitiva ao não reconhecer nas ruas tudo que aprendeu sobre esse lugar de
gente cordata cujo modo de vida a empurra sempre adiante, a despeito das piores
condições de trabalho. Ao menor contato com a atmosfera nacional, esse brasileiro
alienígena, aclimatado às leis naturais que punham nosso povo sempre com os pés
atados ao chão, enfrentaria dificuldades para entender o que se passa.
Confuso,
nosso cidadão recém-chegado de outro planeta ligaria imediatamente a tevê. Cenas
de protestos, avenidas tomadas, carros incendiados, repressão, frases
desconexas, autoridades perplexas, cartazes vocalizando bandeiras de todos e de
nenhum partido. As conchas do velho cenário de Brasília servindo agora como
projetores de um cinema novo, com atores livres dos cacoetes da tradicionalmente caquética escola de dramaturgia tupiniquim formada por políticos.
Sem
os vícios da malandragem, flertando com um realismo sem amarras nem atravessadores, crentes no poder
ultrajovem, esses atores mirins - para parcela da imprensa e dos governos, vândalos - interpretavam na capital federal não as personagens de sempre proferindo
as falas de sempre, movendo-se segundo as marcações de sempre, atendendo a
demandas de sempre, numa tragédia destinada a entreter a audiência de sempre.
O que esse brasileiro viu foi um coletivo sem rosto nítido ensaiar uma mensagem violenta menos pelos meios através dos quais se expressa do que pelos efeitos que deverá causar daqui pra frente. Era um novo cinema o que se encenava. Os atos não se encerrariam ao final da peça. A plateia preferiu levar vinagre a pipoca.
O que esse brasileiro viu foi um coletivo sem rosto nítido ensaiar uma mensagem violenta menos pelos meios através dos quais se expressa do que pelos efeitos que deverá causar daqui pra frente. Era um novo cinema o que se encenava. Os atos não se encerrariam ao final da peça. A plateia preferiu levar vinagre a pipoca.
“Quem
não estiver confuso, não está bem informado.” A frase do poeta Carlito Azevedo
de repente salta na tela do telefone inteligente desse estranho brasileiro, que
passa a buscar na rapidez dos portais de notícia uma resposta para a combustão
espontânea. Contra a confusão, informação, lembra-se do mantra de um professor da faculdade. Remediaria tanto alheio
às coisas do Brasil com uma rápida varredura nos canais da internet e a leitura dos editoriais de revistas e jornais.
O brasileiro, até ontem mais jupiteriano que terráqueo, clica numa notícia e lê qualquer coisa sobre um comercial de carro retirado do ar. A propaganda diz respeito à palavra latina fiat, a mesma que, ao lado de lux, estampa rótulos de uma marca de caixa de fósforos. Fiat lux. Pensa na ironia disso tudo. Faça-se luz. Num insight, imagina que talvez a luz venha sendo feita por ali, não em caixas apertadas que agrupam palitinhos cujas cabeças serão consumidas para aquecer um fogo artificial, mas nas ruas.
O brasileiro, até ontem mais jupiteriano que terráqueo, clica numa notícia e lê qualquer coisa sobre um comercial de carro retirado do ar. A propaganda diz respeito à palavra latina fiat, a mesma que, ao lado de lux, estampa rótulos de uma marca de caixa de fósforos. Fiat lux. Pensa na ironia disso tudo. Faça-se luz. Num insight, imagina que talvez a luz venha sendo feita por ali, não em caixas apertadas que agrupam palitinhos cujas cabeças serão consumidas para aquecer um fogo artificial, mas nas ruas.
Em
Júpiter, planeta com vocação turística e boa oferta de prazeres, esse
brasileiro vivia com relativa folga, trabalhando apenas o suficiente,
divertindo-se na maior parte do tempo, bebericando em doses homeopáticas ou lambuzando-se
com os excessos. O que produzia garantia muitas horas de torpor recreativo. A economia
de Júpiter pouco conheceu da crise que se abateu no cinturão norte da galáxia. A
bolha, todavia, estourou, e centenas de milhares de estrangeiros tiveram de
voltar pra casa.
E
o que esse brasileiro quer desde que retornou ao lugar que não se parece mais com o país que deixou há dois anos é entender o que acontece na
própria casa. Pondera que há mais chance de que a alegada incompreensão acerca da origem do combustível que mobiliza
milhares de pessoas Brasil afora seja um mal-disfarçado cinismo do que uma
atitude honesta, sincera, que reconhece um fato incontornável: a incapacidade generalizada de decodificar tudo que está acontecendo.
Como
não entender uma mensagem tão clara quanto tem sido a da revogação do aumento
da passagem em São Paulo? Ou a grita contra o custo escandaloso das obras para
a Copa do Mundo no Brasil? Ou a insatisfação com a maquilagem que o poder
público realizou nas cidades-sede da Copa das Confederações, criando metrópoles
cenográficas para recepcionar turistas? Ou o pouco caso com infraestrutura e
segurança? Ou a assepsia urbana realizada com tapumes? Ou o preço exorbitante no aluguel dos imóveis?
Depois de vasculhar notícias em todos os jornais e revolver a internet à procura de respostas, o brasileiro recém-aterrissado considera-se informado. Reconhece claramente a antiga batalha entre o novo e o velho sendo travada nas vias públicas. Mas informado não implica necessariamente capacitado para elucidar os problemas da realidade terráquea, o que faz com que permaneça tão alienígena quanto era quando ainda estava em Júpiter, sob uma atmosfera, leis e humores diferentes.
Depois de vasculhar notícias em todos os jornais e revolver a internet à procura de respostas, o brasileiro recém-aterrissado considera-se informado. Reconhece claramente a antiga batalha entre o novo e o velho sendo travada nas vias públicas. Mas informado não implica necessariamente capacitado para elucidar os problemas da realidade terráquea, o que faz com que permaneça tão alienígena quanto era quando ainda estava em Júpiter, sob uma atmosfera, leis e humores diferentes.