Apenas ontem vi A alegria, de Felipe Bragança e Marina Meliande, uma profecia exibida em 2010, ano de
Copa do Mundo, ano eleitoral. No filme há uma ou duas cenas marcantes pelo caráter antecipatório:
uma delas é a revolta dos jovens portando cartazes e enfrentando a polícia com
uma fúria exemplar três anos antes das manifestações contra o aumento da tarifa
de transporte em SP e RJ, a reboque das quais sobreviriam todas as demais,
pulverizadas e volatilizadas por um sentimento difuso de mudança, mas todas
igualmente surpreendentes pela força que canalizavam – e carnavalizavam.
A outra cena é a dos jovens mascarados
reunidos na cozinha de um apartamento de classe média baixa após selarem um pacto
– DILMA, os créditos, por favor! – no centro do qual está a promessa de que
envelheceriam corajosos – ou, caso contrário, não envelheceriam. Um gesto de
radicalidade tipicamente adolescente? Pergunta retórica? Piada? Uma preocupação
genuína?
Com que idade uma pessoa se torna covarde?,
pergunta uma das personagens, Lu ou Ju ou qualquer nome carinhosamente
abreviado. Lu ou Ju é uma caricatura mascarada. Lu ou Ju encara a câmera com a metade de um sorriso. Lu ou Ju parece saber que esse sentimento é fugaz, localizado, contingente, e por isso mesmo talvez seja melhor aproveitá-lo ao máximo.
Lu ou Ju, que o nome
das personagens nem importa. O Felipe Bragança, pelo menos nesse filme, obriga
meninos e meninas a dizer o que quer o diretor e não o que de fato meninos e
meninas diriam se estivessem em situação semelhante. Em situação semelhante, talvez meninos e meninas até dissessem uma coisa ou outra e essa coisa ou outra coincidisse com o que a trilha do filme havia planejado que dissessem, mas é difícil imaginar que essa coincidência se repita ao longo de uma hora e trinta minutos de história.
E essa é uma das grandes fragilidades de A alegria. O artifício – a mão fortemente visível do diretor manipulando falas – explicita-se durante toda a peça – me permitam chamar de peça, é melhor que fita ou longa.
E essa é uma das grandes fragilidades de A alegria. O artifício – a mão fortemente visível do diretor manipulando falas – explicita-se durante toda a peça – me permitam chamar de peça, é melhor que fita ou longa.
Trata-se aí de filme com adolescentes
cumprindo um roteiro de perguntas cujo objetivo é colocar em desconcerto o
mundo em derredor, mundo adulto, sedimentado, corrupto, invasor, inadequado.
A dupla de diretores empenha-se em não permitir que a gente esqueça que está vendo uma história. Se faz isso propositadamente ou o efeito resulta da
inabilidade, não sei dizer. Fato é que há esse cardume de falas mal-alinhavadas,
ornatos sem brilho, máscaras por trás das quais não sobrevivem personagens, vítimas
da artificialidade que condenam.
Num filme sobre múltiplas fantasias, A
alegria derrapa ao sovar o público com impressões e opiniões, vedando quase
todo o espaço que seria destinado à fantasia. Um espaço a ser preenchido pelo
público.
A intenção é refletir sobre o universo
caótico em que se misturam revolta, sexo, violência, delírio e videogame. O
resultado é um discurso facilmente discernível e uma direção em completo flagrante.
A vontade de mostrar é maior que a de sugerir.