O que foi legal na Flip? E o que não foi?
Primeiro o que não foi:
Primeiro o que não foi:
1. Como em qualquer edição da festa, algumas
mesas foram bem-sucedidas, outras não, cabendo aí, por razões inescapáveis, o
debate sobre o que é considerado bem-sucedido nesse tipo de evento, cuja
plateia lembra bastante a das arquibancadas de outra festa recente no Brasil, a
da Fifa.
2. O fato foi lateralmente mencionado por um
dos participantes da Flip, Gilberto Gil, que se manifestou contra a predominância
de uma massa majoritariamente branca nas arenas durante os jogos da Copa das
Confederações. Foi muito aplaudido, claro. Teria sido mais se houvesse estendido
a crítica à própria homogeneidade na cor da pele da plateia da Flip? Acredito que
não.
Pudera. Fica feio aceitar participar de um
evento e depois criticar o público que toma parte dele. Mais feio ainda é fazer
de conta que tudo ali é muito diferente. Gil foi esperto. Atirou no passado e
deixou o presente de lado, em seu cantinho, vibrando sossegado no frio
agradável da noite de Paraty.
3. Assim como o mega-astro Gil, outros
participantes também preferiram o aplauso fácil, que é o que acontece com uma frequência
surpreendente sempre que a) há uma plateia, b) um cenário de acirramento se
instaura e c) o participante se convence, prévia ou posteriormente, de que está
ali para desempenhar o papel de justiceiro.
Um exemplo: Pablo Capilé. Outro exemplo:
Marcos Nobre. O primeiro, de fala sempre caudalosa, ainda exibiu o péssimo
hábito de batucar no smartphone enquanto não chegava a sua hora de palestrar, ou seja, enquanto os outros falavam.
Convidados a integrar as mesas extras
destinadas a discutir as manifestações de junho no Brasil, Capilé e Nobre colaboraram
com boas ideias e foram bastante aplaudidos – talvez até exageradamente
aplaudidos. Nobre, por se contrapor, às vezes de maneira afoita e visivelmente forçada, às teses do economista André Lara Resende. Capilé, por apelar a um discurso de terra
arrasada. A crer no que falou, ninguém, exceção feita ao pessoal do Fora do
Eixo, está suficientemente equipado para interpretar o que acontece no país.
Um derradeiro ponto negativo: a mediação de
Samuel Titan Jr. Absolutamente desastrada, prolixa e chata. Demonstrou (grande
descoberta!) que mediadores têm enorme influência na condução de uma conversa. Nem
o bom-humor (turbinado por cachaça?) de John Banville, tampouco as esquisitices
de Lydia Davis, salvou a pátria.
Uma observação: disseram que os debates
mais literários não foram tão animados, o que é apenas meia verdade. Depende bastante
do conceito de animação, do que cada um espera de uma conversa entre duas
pessoas que se dedicam a escrever ficção e, finalmente, do que julgam significar um "debate bem-sucedido".
Ainda que numa conversa aparentemente insossa,
como a que reuniu Daniel Galera e o francês Jérôme Ferrari, há sempre uma
dimensão menos evidente, mas que deixa à mostra os procedimentos e escolhas dos
escritores, o que, a meu ver, justifica o título de mesa literária
bem-sucedida. No caso do Galera, por exemplo, foi interessante compreender parte
das preocupações do autor e intuir o quebra-cabeça que foi a construção de Barba ensopada de sangue, suas ramificações, continuidades e rupturas dentro da obra do próprio Galera, as linhas-mestras da ficção do cara, as influências determinantes (Cormac
MacCarthy) e o que tomei como frase para ficar matutando por alguns dias (“é sempre mais difícil viver no
presente do que no passado ou no futuro”).
O que
foi legal na festa?
Muita coisa, que pode ser resumida do seguinte modo, sem ordem explícita de importância, mas obedecendo a uma tênue sistemática cuja
lógica é determinada pelo afeto. Sendo assim, ao final da festa, a lembrança da
risada engraçada do escritor Tobias Wolff divide o pedestal de “ganhos
objetivos” com a leitura prazerosa e divertidíssima de poemas de Chico Alvim e
Zuca Sardan, o português encantadoramente atropelado da franco-iraniana Lila Azam,
a vaia a William Waack e, finalmente, os cachorros da cidade, que novamente
deram um show ao misturar suprema indiferença e preguiça sem jamais perderem a
simpatia do público.