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Wilson, o escrotinho

Depois de ler Wilson , de Daniel Clowes, fiquei alguns minutos pensando sobre as razões que levam uma pessoa a simpatizar com a escrotidão, que é uma maneira de viver - nem pior, nem melhor. Há um lado bom e um ruim na escrotidão. Provavelmente há mais lados bons e ruins, e outros que não são exatamente bons ou ruins, mas misturados. Para efeito didático, fiquemos apenas com os antípodas, o que resume bem toda a épica aventura humana e facilita a compreensão. Embora pouca gente perceba, um sujeito escroto é utilíssimo, essa é que é a verdade, e nisso reside a fatura positiva. Por razões diversas, as pessoas tendem a ser dissimuladas. Não é que sejam mentirosas, não concluam precipitadamente. Digamos que, ao mirar benefícios, a maior parte de nós tenha por hábito expressar algo parcial ou totalmente contrário ao que pensa. Para muita gente, o nome disso é “habilidade social”. É aí que Wilson entra em cena. As ferramentas de trabalho do personagem resumem-se a uma só: não-particip...

Sem legenda

Não, não é nem isso. Deixa ver se te explico direito. É como se todo o resto fosse organização e limpeza e metas alcançadas. Um amigo que comprou apartamento, viajou, engravidou, foi morar fora, toda essa áurea positiva e intimidadora emanando das coisas que dão certo na vida dos outros enquanto a sua parece trilhar um caminho errado. Ou nem isso, um descaminho. Sei como é. Bem foda mesmo – que é outra forma de falar “tamo aqui pra isso”, pra acertar e, eventualmente, se foder. É, mas tô ficando vacinada. Quando começo a sentir qualquer coisa assim penso logo: “Massa, mas pode ser mentira e é provável que seja mesmo”. Passo adiante. Puxa, baita lenitivo. Tipo AAS pra falta de autoestima, é? Quem sabe... Porque, por mais brutal que seja... Cara, a gente tem que compreender. Não só compreender, tem que conviver, o que é pior, com o sucesso alheio. [Caem na risada. Pedem mais cerveja. Ao contrário do que haviam prognosticado, estava sendo bom]. Falando sério... Sei mais nem...

Puta engenheiro

Foi rápido?, queriam que dissesse. Envergonhado, reconhece que não. Demorou até perceber, não havia mais nada além da agulha sulcando o silêncio do rótulo. O fim. Sem anunciação. Sem predicados. Sons derradeiros agora pequenos, a guitarra antes estridente suavizava e o baixo soava distante. A bateria apenas um leve rufar, dedos finíssimos batucando distraídos a superfície de uma tampa de maçã verde. A música para. Imaginava tudo de outra forma. Se chegar ao fim, se acabar, tenho certeza que toca Leonard Cohen na churrascaria da esquina, é o mínimo que se espera do desfecho. Uma calma que sentia no intervalo das músicas, essa calma era inteira fraudulenta. No segundo que antecede a faixa seguinte, tinha mesmo era de lidar com o suspenso, o indiviso, o entrementes, digamos, ausência barra presença, e é nesse estado de coisas que percebe, sem muito drama porque afinal porra, a gente tinha sofrido pra caralho desde o começo. Tava na cara que isso não era jeito de se terminar nada, então ...

Jennifer Egan, vampirismo materno, carnaval

Querido diário (locução em falsete), Resta um capítulo, o 13º, para terminar A visita cruel do tempo , de Jennifer Egan, uma autora cujo trabalho – como jornalista e ficcionista – desconhecia por completo. Ela ganhou o Pulitzer. Tem na capa bem grande VENCEDOR DO PULITZER. Por falar na capa, é bacana. A edição brasileira traz um belo desenho do Rafael Coutinho, o filho do Laerte, o cartunista que não sabe se vai ao banheiro feminino ou ao masculino. Independente disso, o Laerte foi hoje / ontem ao "Roda Viva", um programa de entrevistas da TV Cultura, que é um canal público. É público? Não é público, apenas achava que fosse. São 30 páginas. Trinta páginas as que faltam para concluir, o livro tem mais que isso, umas 350, acho, embora um capítulo inteiro seja uma divertida e emocionante (desculpem a classificação tipicamente Sessão da tarde, mas é o que é) apresentação de PowerPoint. Fui checar a nota da livraria. Comprei junto com Os imperfeccionistas e Festa no...

Sórdido ou patético?

Escritor mexicano Juan Pablo Villalobos em foto de Renato Parada. Verdade, ainda estou um bocadão impressionado com a leitura de Festa no covil (Cia. das Letras), do mexicano Juan Pablo Villalobos , 38. Trata-se de um livrinho fino, pouco menos de 100 páginas, capa chamativa e cheiro forte de tinta, que é uma das coisas legais que os tablets não podem oferecer. Bem impressionado, pra ser preciso. Festa no covil é o tipo da historinha - podemos chamar de historinha sem medo de depreciá-la – que, fechada a aventura, fica piscando na cabeça dias e dias, e depois disso segue produzindo efeitos, convidando a uma nova olhada. Tudo porque o universo criado é tão sugestivamente rico que, do mesmo modo que ansiamos retornar a um jogo de videogame para olhar novamente aquela paisagem ou percorrer determinado ambiente apenas porque nos “enche a vista”, temos vontade de entrar mais uma vez nas páginas. O personagem dá saudade. Não é escapismo, entendam. A narrativa é bizarra, violenta ...

Tipos modernos: O COSMOPOLITA CAIPIRA - UM BREVE ESTUDO

Na foto acima, um flagrante da violenta inadequação que acomete o cosmopolita caipira sempre que vai à padaria ou mesmo à farmácia A academia, a igreja e os especialistas em mídias sociais da quinta maior cidade do Brasil são unânimes em afirmar: não é de pouca monta a tentativa de fixar o perfil dos numerosos tipos modernos , sobretudo quando se trata do ensaboado “cosmopolita caipira”. No que estão certíssimos. As dificuldades só não são maiores que a glória em obter um registro, ainda que fugidio, do tipo mais sedutor em mesas de bar e filas de cinema. Vejam por quê: por índole e vocação, os arquétipos modernos são “líquidos”, e esse grau de liquidez ganha materialidade à medida que nos aproximamos do caipira predestinado ao cosmopolitismo. Não à toa, muitos pesquisadores guardam distanciamento desse organismo sabidamente reimoso. Medo de contágio? Trata-se menos de rigor procedimental que de precaução. Mas o que vem a ser um “cosmopolita” (cidadão do mundo) “caipira” (provin...