Querido diário (locução em falsete),
Resta um capítulo, o 13º, para terminar A visita cruel do tempo, de Jennifer Egan, uma autora cujo trabalho – como jornalista e ficcionista – desconhecia por completo.
Ela ganhou o Pulitzer. Tem na capa bem grande VENCEDOR DO PULITZER. Por falar na capa, é bacana. A edição brasileira traz um belo desenho do Rafael Coutinho, o filho do Laerte, o cartunista que não sabe se vai ao banheiro feminino ou ao masculino.
Independente disso, o Laerte foi hoje / ontem ao "Roda Viva", um programa de entrevistas da TV Cultura, que é um canal público. É público? Não é público, apenas achava que fosse.
São 30 páginas. Trinta páginas as que faltam para concluir, o livro tem mais que isso, umas 350, acho, embora um capítulo inteiro seja uma divertida e emocionante (desculpem a classificação tipicamente Sessão da tarde, mas é o que é) apresentação de PowerPoint.
Fui checar a nota da livraria. Comprei junto com Os imperfeccionistas e Festa no covil – os dois são fantásticos. Dia 16 de fevereiro, acabo de olhar no calendário, uma quinta-feira, começo a ler imediatamente, pá. Depois interrompi o fluxo e só fui retomá-lo ontem à noite, menos por preguiça que por desejo de assistir ao final sendo adiado indefinidamente, o que não ocorre com tanta frequência. De modo geral, me atiro em direção ao desfecho, uma carreira louca de quem quer saber - o quê, o que seja.
Entre A e B, um ponto e outro, enquanto esperava o momento de voltar à história, fomos ao cinema, fiz compras, matei uns dragões em Skyrim (as coisas na província estão estranhas desde que barbarizei em Riverwood), falei com a Duda no telefone, enxaguei umas camisas brancas, vi o episódio oito de The Walking Dead.
(The Walking Dead é uma série que fala sobre como tem sido um problemão sobreviver num mundo infestado por zumbis. Passa aos domingos na televisão americana, na segunda-feira o episódio chega à internet já com as legendas em português e, normalmente, vejo na terça-feira, assim que chego do trabalho).
Também nesse intervalo, recebi uma dentadura de vampiro no lugar de um cubo mágico danificado. Acreditem: o universo conspirou para que essa troca fosse realizada. Não havia um cubo mágico sobressalente na loja, os preços dos dois produtos eram equivalentes, o vendedor dava mostras cada vez mais palpáveis de que encontrar outra quinquilharia que me agradasse se convertera numa questão de honra. E foi assim que, em vez de reaver o dinheiro, e após ter recusado o baralho pornô e o cigarro que atravessa magicamente a moeda de um real, saí de lá com a tal dentadura.
A esta altura, ninguém poderia suspeitar, mas a culpa era da minha mãe.
Usando uma dentadura semelhante àquela, a jovem senhora me perseguia em casa. Se me lembro direito, mamãe fez isso com alguma regularidade e indisfarçável deleite. O modus operandi era sempre o mesmo: mal entardecia, a mulher assanhava os cabelos. Punha vestido longo, branco, do tipo que ia até os pés e esvoaçava. Descalçava as sandálias. Só então se esgueirava pelos cômodos, grunhindo, mexendo os dedinhos da mão como se fossem pequenos esquilos-zumbi.
Eu gostava, claro. Em minutos, porém, estava implorando: "Para, mãe... Para, por favor". Bom, a verdade é que a mãe nunca parava quando eu pedia. Pra ela, essa era parte divertida.
Repetindo a brincadeira com minha sobrinha de seis anos, descobri que horror similar tem realmente algo de magnético. Entendo minha mãe. Eu a perdoo.
Meu Deus, como o tempo passa... Agora estou aqui.
Ontem vimos A separação - que filme, que filme! Concordamos novamente que a bruschetta do restaurante vizinho ao cinema é fantástica.
Lá fora, dizem, é carnaval.
Chove.