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FINI

O que Winter’s bone ( Inverno da alma ) e o documentário Senna têm em comum? Absolutamente nada. Mas foram esses os filmes que escolhi para ver na noite de sábado. Recomendo ambos, especialmente Inverno da Alma. Filme de gênero ou filme de festival? Não quero saber. Inverno da alma conta a historinha de uma garota que precisa encontrar o pai, um traficante, que desapareceu após sair da cadeia. Caso não o encontre, o governo tomará a casa onde a menina de 17 anos cria os dois irmãos menores, uma garota e um garoto, enquanto a mãe meio lelé da cuca de tanto usar drogas flerta com o nada. A tensão é contínua, não arreda pé um segundo. Fiquei esperando aquele momento mais suave que me permitisse soltar a respiração, tão acostumado que estou aos filmes do Telecine Light, mas a verdade é que quase morria sufocado. Um filmaço. Senna é mal-acabado, mas interessante e, claro, comovente. Saí com outra visão do piloto brasileiro. Primeiro, não sabia que Ayrton tinha sido tão religioso. ...

Você

Você já tomou café, fumou, ligou e desligou o computador, viu trechos de filmes, um capítulo inteiro de Dexter, uma cena de CSI enquanto comia pedaços de frango e abocanhava garfadas de arroz e macarrão, massageou o próprio pé inchado depois de uma torção jogando bola no último domingo, escovou e reescovou os dentes, penteou os cabelos, checou o avanço implacável dos fios brancos sobre os pretos e refletiu por um ou dois segundos sobre a tristeza da condição humana. Você somou as contas do mês, diminuiu tudo do salário e remanejou sobras, ou achou que estivesse remanejando. Você encheu as garrafas, regou as plantas e polvilhou o aquário com ração para o único peixe, um dourado. Você dobrou as toalhas, cogitou rever a saga de Guerra nas Estrelas do início ao fim, mas a ideia logo lhe pareceu exageradamente aborrecida. Quase desesperado, você acionou o pai, a namorada, acionou também a mãe, disse que sentia um enorme desassossego desde as primeiras horas da manhã e que nada do que fi...

Por que sou interativo

Não sei exatamente o quê, mas algo no Facebook é imoderamente irritante. O festival de fotinhas que pipoca dos gadgets flagrando momentos candentes do dia a dia? Os comentários que se seguem a qualquer gesto gratuito ou frase pretensamente motivadora? O excitante brilho plástico da vida alheia? O afinco gasto na promoção da fita cinematográfica da qual cada um é protagonista em desesperado monólogo? A escassez de opções de interação? Afinal, estamos falando de um modelo de gestão de amizades, negócios, contatos etc. cuja estrutura nos permite duas coisas: curtir e comentar. Ia esquecendo, há cutucar também. Curtir, cutucar e comentar, eis a questão. Consomem-se horas por dia indo-se de um lado a outro, ora comentando, ora cutucando, ora comentando e cutucando ao mesmo tempo. Qualquer coisa é passível de ser curtida. Fotos dos netos, um pensamento solto, uma música, o que faremos no dia seguinte, um aviso importante (hoje tem True Blood , gente!), um vídeo, um aniversário...

Por que sou violento

Motivado por urros de pavor e gritos moralizantes que reclamam civilidade e cultura da bárbara plateia, sempre a entreter-se com o que há de mais vulgar e tóxico no abundante cardápio das possibilidades humanas, pretendia falar sobre como me interesso por esse esporte que põe frente a frente, num ringue de oito lados conhecido como octógono, dois homens de quem não se espera nada, exceto que se esmurrem até que um deles, ou ambos, caia, desabando feito torres de 96 andares subitamente agredidas por aviões desnorteados. Resumida, a situação é a seguinte: quando cidadãos dessa estirpe (submetidos a extenuantes rotinas de exercícios e treinos e à rigorosa alimentação) sobem ao ringue, fazem-no por dois motivos: duelar, sim, mas, principalmente, garantir o salário polpudo com que pagam as contas no final do mês, mantendo-se alguns patamares acima do nível de vida médio de qualquer brasileiro bem empregado. Essa é uma questão que não pode ser deixada de lado: para eles, trocar socos é ...

BADSOBAD

Se nunca tiveram uma badtrip depois de comer dois gostosinhos e beber um copo de suco de maracujá, eu garanto: é basicamente a mesma sensação provocada por uma badtrip de drogas, cerveja misturada com uísque ou a de uma maratona de Friends acompanhada de cachorro quente e vodka. Absurdo, certo. O lado péssimo de se ter uma badtrip de gostosinhos, que são sanduíches feitos com carne moída (wow!) bastante temperada espremida dentro do carioquinha ou de qualquer outro tipo de pão, é que a principal vítima é o estômago, órgão bem mais sensível que o cérebro. Madrugada adentro, os nervos da barriga se contorcem a cada nova onda, que leva em média 25 minutos para se repetir, e fatalmente se repete. É quando o travesseiro parece feito de pedra, o lençol não aquece, o quarto ganha uma luminosidade espectral e os sussurros do lado de fora podem ser um esquadrão da morte pretendendo riscar da lista negra homens na faixa dos 25 aos 35 anos que jamais investiram um minuto sequer do s...

O fracasso

Só o fracasso me interessa: das pessoas, principalmente. Gente que morreu tentando sem nunca conseguir, gente que desiste antes de tentar, durante ou depois, mas que, uma hora dessas, de tanto bater e voltar, acaba desistindo porque as coisas são mais fortes ao contrário do que escrevia Drummond as coisas é que mandam no mundo. O mundo está certo. Nós estamos errados. A gente pensa de vez em quando eu tenho um monte de doenças dentro de mim, a gente sabe disso e guarda o segredo, esconde, afunda, enterra, a gente embaralha as pessoas mostrando unicamente a parte boa, mas uma hora a gente desperta bem no meio da noite, duas, três horas da manhã, e não dorme mais, fica o tempo inteiro pensando nas coisas que não fez, nas que deveria estar fazendo agora mesmo, nas que poderá fazer e, de antemão, intui que não fará. Todas as pessoas que fraquejam, titubeiam, desistem, entregam os pontos, caem no chão, erram, vacilam, supõem que qualquer um seja mais esperto, mais bonito e mais legal ...