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Amizade

As quatro amigas estavam ali, sorriam, as quatro amigas vestiam preto e tinham, olha a coincidência, um busto dos grandes, acho que bustos dos grandes é mais certo gramaticalmente, as quatro amigas se conheceram naquela noite e já se tornaram as melhores amigas, as quatro amigas,  duas tinham casado e separado, passavam dos 35 anos, uma tinha 24 e namorava uma garota de 21 até o mês passado mas agora preferia estar sozinha e curtir a companhia das outras amigas, uma namorava firme havia cinco anos e até que se provasse o contrário era coisa pra casar, um bancário ou médico, um desses caras sérios que dão bons maridos, as quatro amigas mais ou menos fiéis umas às outras, menos uma delas, que tinha cintura fina e pernas bonitas, as três amigas invejavam as pernas da quarta amiga. Até que essa quarta amiga decidiu que já era hora de ir embora e disse que precisava acordar cedo pra trabalhar e vocês sabem como é, mas a verdade é que nenhuma das três amigas sabia de fato como é que...

Sem balançar a cabeça

Então foi lá e fez.  Sentiu algum alívio, mas depois ficou se perguntando puta merda, de novo? Essa sensação esquisita logo desapareceu.  A pertou alguns botões, registrou chamadas, atendeu ligações, almoçou, voltou, tomou o café e reviu documentos que vai precisar pra dar entrada na casa e os horários dos filmes no fim de semana, tem uma sessão vinte horas, acho que dá pra gente.  E foi aí que viu que o incômodo, antes presente como uma alergia, já não existia, então foi lá e fez de novo, lamentou de novo, perguntou-se novamente como podia, como tinha coragem, como jamais se arrependia mesmo, pra valer, mas desta vez parecia sentido de verdade, uma nuvem escura estacionada no rosto e as costas curvadas e essa mancha na alma que distingue o criminoso.  Até que, mal acordou, fez novamente, foi surpreendente porque desta vez não sentiu culpa, pelo contrário, até gostou de fazer. E na hora de dormir pensando que tudo é um pouco estranho, e é mesmo, concordo...

E é como sempre começa

Você tem razão, o email é a nova carta e a antiga carta se perdeu no tempo, e o próprio tempo num tempo antigo que não volta mais. Vejam as formas de comunicar, como se transformaram, telefone, email, carta, celular, um dia a gente ainda escrevia email, agora tem o bate-papo instantâneo pra facilitar tudo, as mensagens etc. Eu não entendo nada disso, sou meio analógico ainda. O email é quase isso, quase desse mundo, escrever mais que cinco ou dez linhas hoje é uma perda de tempo, você parar e tal, agora vou escrever aqui, isso desapareceu. Pode ser, pode não ser. Eu tinha um amigo assim, lá e cá. Nunca decidia. Email ou carta? Não sei se concordo. Com o quê? Essa polarização, essa equiparação, email e carta, email ou carta, acho que ainda são universos muito separados, escrever, quer dizer, manuscrever e digitar, a carta ainda leva vantagem se a gente pensar no afeto depositado ali, e ninguém está realmente preocupado se a carta desapareceu. Só desapar...

Agosto

Porque já é agosto e 2014, um ano incomum, como comumente são os anos pares, dei de querer saber: quando é que a vida começa a mudar? Falo dessa vida que, no dia a dia, se tornou uma que não conhecíamos e nós, outros que não sabíamos. Não é segredo que todo mundo tem um plano escondido e que esse plano envolve muitas variáveis e personagens. Como esse plano desaparece para que a gente se torne quem é? Ou, caso não desapareça, em que gaveta esse plano se meteu?  Em nome do amadorismo, dei para perguntar como tudo acaba se tornando o que é. Quero entender como X e Y se combinam para formar Z. É o meu brinquedo de adulto. Uma ciência do amadorismo, do desastre e do riso.  Há vinte e cinco anos, talvez num mês de agosto, eu ainda era criança e brincava de capturar o tempo. Nada de arapucas ou gaiolas. Apanha-se o tempo no chão da sala, o rosto encostado no frio da cerâmica; ou na parede, rabiscando as pinturas rupestres da meninice: árvores, cavalos, a fam...

Apenas um

Eu podia finalmente escrever essa história que tenho pra escrever, pensou a personagem, porque nas histórias que escrevia as personagens pensavam coisas alheias a seu universo e até contrárias, como no caso dessa que vinha tentando terminar já há algum tempo, sem sucesso, talvez porque as personagens dessa história tinham apego a falas sem fim, enredos atravessados, rupturas etc. Lembrou a razão de ter escolhido Captcha como título da história, estava em dúvida se romance, conto ou novela, mas tinha certeza quanto ao nome e achava isso o máximo. Mais a certeza que o nome, porque lembrou também que já havia criado, gostado e esquecido outros tantos nomes. Aquele ficara. Era especial. A trama rendia, a personagem tinha rosto e voz, os acontecimentos aconteciam diante dos olhos. Tinha história para cinquenta páginas ou mais, ia depender da maneira de contar. A história em si, Captcha , era simples: uma garota escreve ( o quê? ) para entender outra garota. Um romance entre du...

Conversa

Como ia tentando dizer, tinha essa vontade de escrever uma carta, todavia cartas estão fora de moda, daí pensei num e-mail, uma postagem simples no Twitter ou uma mensagem de celular assinada “simplesmente eu”. Uma inscrição no braço da carteira que seria lida em três dias, no máximo, ou em três anos, no mínimo. Pensei em outras coisas que agora não posso lembrar. Não me sinto bem esses dias, tédio, cansaço, fome, falta de conversa, falta de coragem, muitas horas diante do computador ainda tentando rabiscar aquele livro de que falei outro dia. Sem sucesso. Não obtive mais sucesso que Napoleão em Waterloo. Sempre me ocupo de barcas furadas, sou o capitão dos projetos  naufragados, o huno das fronteiras porosas. Não, pode acreditar. É menos uma carta que uma prestação de contas semestral.

O melhor

O melhor da cidade não é o melhor porque o melhor é uma categoria que não abarca o melhor. Não sei se vocês entendem. Dou um exemplo: o melhor da cidade é o picolé, eu poderia dizer. E não estaria mentindo porque, juro, acredito que o melhor da cidade é realmente o picolé e não as pessoas ou o que elas possam fazer de suas vidas quando têm tempo sobrando, se preferem um livro ou jogar paciência no computador. A tapioca é outro produto que larga na frente com boa vantagem se imaginarmos que estamos competindo uns com os outros pra saber quem cospe mais longe na gincana do intelecto. A tapioca com café.   Mas não ficaria surpreso se outras pessoas com gostos muito diferentes dos meus dissessem que o melhor da cidade é a ponte velha. Ou o dindim. O barulho de ondas quebrando ( aliás, uma dica para quem gosta de grana é capturar, engarrafar e vender para turistas o barulhinho do mar da cidade. É a melhor chance que terão de se tornarem ricos, morarem no Meireles e d...