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Bolhas fantásticas e outras coisas

Publicado no jornal O Povo em 13/10/2012.  A capa falsa avisa que se trata de história sem fim – o meio, por sinal, também falta. O convite para seguir com os personagens é natural. Aliás, o princípio ativo das histórias reunidas em Foras da lei barulhentos, bolhar raivosas e algumas outras coisas (Cosac Naify) é sempre o mesmo: o escritor começa, os leitores concluem, caso queiram realmente alguma conclusão. Do contrário, contentem-se com estripulias insólitas, personagens escabrosos e fabulações de deixar os cabelos em pé. A partir do título, destaque-se, que, se reproduzido inteiramente, ocupa um parágrafo com folga: Foras da lei barulhentos, bolhas raivosas e algumas outras coisas que não são tão sinistras, quem sabe, dependendo de como você se sente quanto a lugares que somem, celulares extraviados, seres vindos do espaço, pais que desaparecem no Peru, um homem chamado Lars Farf e outra história que não conseguimos acabar, de modo que talvez você possa quebr...

Onde vivem os monstros?

Publicado no jornal O Povo em 11/10/2012.  Um dia perguntei à garotinha se acreditava em monstros. Vampiros ou lobisomens?, quis saber. O rigor taxonômico sobrenatural e o senso de diferenciação embutidos na questão me assustaram à beça, mas a dúvida tinha lá seu fundamento. Pode ser qualquer um, respondi. A menina continuou: não havia tanto tempo, vira uma criatura bem esquisita na própria casa. Onde? Na cadeira. Que cadeira? Aquela. Com o mindinho, apontou o móvel de plástico no quarto repleto de bonecas, algumas maiores, outras menores, mas todas de olhar vidrado. Ali?, duvidei. Sim, repetiu, bem ali. Estava sentado? Estava, e girava a cabeça. No sentido horário ou no anti-horário? A menina fez cara de espanto: o que é sentido horário, titio?  Duda tem seis anos. Seus filmes prediletos: Barbie Cinderela e Atividade Paranormal . Cores: rosa e lilás. Uma coisa que adora: histórias de terror cujos protagonistas, as bonecas desatinadas, caminham sozinhas e dão vol...

As faces rosadas do Face (isto é uma piada)

As fotos de crianças que substituem as dos adultos são um fenômeno de rede, cada usuário, assíduo ou não, adere à regra com bastante naturalidade, é uma onda, febre se considerarmos a rapidez e grau de participação das pessoas, afinal são tantos os perfis no Facecook e Twitter transformados em duto de comunicação direta com um passado glorioso, crianças loiras, morenas, gordinhas, magras, cabelos compridos, pernas tortas, o substrato do que somos hoje de repente se evidencia já nos primeiros anos de vida, o susto é inevitável, os meios como túneis do tempo, há quem peça mais que essa olhadela curiosa que todos estamos dispostos a conceder e concentre forças em aproveitar a oportunidade para fazer da alteração visual um jogo egocêntrico de perguntas e respostas, uma brincadeira de adivinhação cujo centro nervoso é a própria vida, não a minha ou a sua, mas a dele. Como fenômeno a onda das fotos de criança, que precede o Dia das Crianças e se justifica minimamente diante da curiosida...

Curiosity III

A natureza da sonda aproxima-a cada dia mais da natureza humana, entendendo que ambas constituem organismos diferentes, diferenciados segundo as leis da física e conforme os ritos sociais, e considerando que mesmo as formações distintas guardam íntima relação entre si, intrínsecas, as sondas, sobretudo as espaciais, mas também as de outra espécie, definem-se por curiosidade, atenção agudizada ao extremo, alta capacidade cognitiva, densidade analítica, processamento rápido de estímulos variados, frieza de cálculo, armadura ósseo-metálica adequada a suportar vasta pressão etc., trata-se, como visto aqui em outras ocasiões, de sujeito especial, cuja finalidade derradeira é nobre, sim, mas igualmente vã. Assim nos aproximamos enormemente das sondas, sobretudo das espaciais, que até o fim do ano terão se convertido irreversivelmente nas mais vaidosas entre todas as sondas, esperemos para ver, de qualquer maneira é uma felicidade que mesmo os mecanismos inanimados encontrem, numa terra ...

Salvem o condutor

Há descompasso, que é descompasso? É desentendimento nos quereres e poderes, assim, pluralizados, de modo que impera agora sentimento desgovernado, dito desta maneira soa até leviano, bobo, ridiculamente infantil, mas o fato é que há sempre descompasso entre o querer nosso e o querer da realidade, sendo a última mais forte, incontornável e indiferente, só nos resta colocar a viola no saco e partir – partir ao meio, encerrando cada coisa em seu lugar, ou partir, encaminhando-se diligentemente à porta de saída, se bem me entendem há maneiras e maneiras de cotejar o desejo, confrontar a parede, nenhuma delas exige menos que a dor, nenhuma concede salvo-conduto, nenhuma abre mão de uma boa briga, a todos o meu muito boa sorte.

Curiosity II

A natureza da sonda, de qualquer sonda, espacial, gástrica, genética, de perfuração, não é tão diferente da nossa, projetada para coletar informações em ambiente estranho, por vezes adverso, resultado de anos de trabalho de grupo esmerado de cientistas, fruto de altos investimentos dos governos, símbolo de poderio que remonta à guerra fria, o que faz a sonda sonsa?, perde-se nos detalhes, dedica mais tempo às miudezas que à procura por formas de vida, no solo marciano por exemplo a Curiosity não uma nem duas, mas três vezes fotografou-se à beira de alguma depressão, penhasco, as fotos chamam a atenção muito mais pela beleza que pelo valor científico, à Curiosity curiosamente interessam bem mais os acidentes geográficos, a extensão das ruínas naturais, a profundidade dos cânions, sobre outro qualquer assunto de interesse coletivo, como a possibilidade de haver alguma reserva de água potável no planetinha, ainda não emitiu nenhum parecer a sonda Curiosity, fato que na comunidade científ...