Publicado no jornal O Povo em 13/10/2012.
A capa falsa avisa que se trata de história
sem fim – o meio, por sinal, também falta. O convite para seguir com os
personagens é natural. Aliás, o princípio ativo das histórias reunidas em Foras da lei barulhentos, bolhar raivosas e
algumas outras coisas (Cosac Naify) é sempre o mesmo: o escritor começa, os
leitores concluem, caso queiram realmente alguma conclusão. Do contrário,
contentem-se com estripulias insólitas, personagens escabrosos e fabulações de
deixar os cabelos em pé.
A partir do título, destaque-se, que, se
reproduzido inteiramente, ocupa um parágrafo com folga: Foras da lei barulhentos, bolhas
raivosas e algumas outras coisas que não são tão sinistras, quem sabe,
dependendo de como você se sente quanto a lugares que somem, celulares
extraviados, seres vindos do espaço, pais que desaparecem no Peru, um homem
chamado Lars Farf e outra história que não conseguimos acabar, de modo que
talvez você possa quebrar esse galho.
“Quebrar esse galho” é apenas um dos
prazeres. Mas há outros, claro, tais como imaginar como seria viajar num
bairro-balsa que por acaso se desprendesse da cidade (Nova York) e ganhasse o
mundo. A ideia, que embala o conto O
Sexto Distrito e encerra o volume, é sugerida por Safran Foer (Tudo se ilumina e Extremamente alto e incrivelmente perto).
Quem sabe também fosse possível tirar algum
proveito do fato de pertencer a um país tão espantosamente diminuto. Lá, o mais
estranho não é que todos se conheçam, mas que seu espaço aéreo possa ser
percorrido integralmente por uma pedra arremessada de uma das nações vizinhas.
Outro dado importante é que o único time de futebol do lugar só consegue entrar
em campo para sofrer as goleadas de praxe quando há adesão em massa dos moradores,
incluindo-se crianças e velhos, que participam da partida. Esse desvario é o que
anima Pequeno País, de Nick Hornby (Alta fidelidade e Um grande garoto).
Nem tudo é puro delírio, porém. Entre
maquinações mais ou menos fantasiosas, Lars
Farf, pai e marido excessivamente temeroso aparece como uma joia
profundamente alegórica. De longe, um dos pontos altos do livro. No conto, após
ter a casa engolida por um incêndio, um homem decide proteger a família e a si
mesmo de qualquer ameaça externa. Para tanto, recorre a todos os meios ao
alcance do dinheiro. Ergue muros, cava fossos, instala sensores, adquire
tecnologias sofisticadas. A intenção é transformar o ambiente doméstico no local
mais seguro do mundo. O corolário disso tudo é uma espiral irrefreável de medo,
terror e desamor, que só termina depois de muito sofrimento. À parte a relação
óbvia com a história dos Estados Unidos pós-11 de Setembro e a neurose coletiva
resultante, a narrativa, escrita por George Saunders e ilustrada por Juliette
Borda, é tensa, terna e surpreendente.
Destinadas a muitos públicos, sobretudo ao
infantojuvenil, mas também ao adulto (principalmente ao adulto, quero crer), Foras da lei... é uma saborosa aventura
pelo universo da fantasia. E o melhor: comandada por time de autores e
ilustradores que mete medo. Cada passeio tem
um cicerone especial. Convidados de luxo, por assim dizer. Safran Foer (foto) e
Hornby são alguns dos nomes mais conhecidos, mas há também Neil Gaiman e Jon
Scieszka. São onze histórias cujos desfechos são tão falsos quanto a capa
sobressalente – é preciso ir além e criar alternativas para encontrar o que
mais interessa.
SERVIÇO
Foras
da lei barulhentos, bolhar raivosas e algumas outras coisas (Cosac Naify, R$
49,90. Tradução: Heloisa Jahn). Autores: Clement
Freud, James Kochalka, Jeanne Duprau, Jon
Scieszka, Jonathan Safran Foer, Kelly Link, Lemony
Snicket, Neil Gaiman, Nick Hornby, Richard Kennedy, Sam
Swope.