Pular para o conteúdo principal

Postagens

Eu sou irônico

NOTA: o texto que segue foi orgulhosamente publicado na magazine Aerolândia. Dante Ferboa , o ensaísta cascatinha Não sei exatamente que parcela de culpa podem ter Holden Caufield, Homer Simpson, Ross Geller e Sheldon Cooper. Tampouco posso acreditar que houve um dia na história em que não tenhamos recorrido às ferramentas de que falarei como catarse vaidosa capaz de desarmar um interlocutor indesejável apenas esgrimindo-se um punhado de palavras de gume afiado. De todo modo, desconsiderando os efeitos positivos facilmente identificáveis, me pergunto com freqüência quando começamos a acreditar que a ironia e o sarcasmo são recursos infalíveis, a serem usados a cada seqüência de quatro frases como se fossem obrigatórios na vida do homem e da mulher modernos, urbanos, heterossexuais, brancos e católicos. E não encontro resposta. Duas semanas atrás, minha sobrinha de seis anos disse a sua mamãe que ela, minha irmã, precisaria dormir mais duas horas além do habitual caso realmente ...

O tipo da ideia descrente

Você está aí? Digitou, mas a janela continuou inerte, apagada, nada se movia, absolutamente nada sugeria que do outro lado houvesse alguém cuja ansiedade correspondesse em tamanho e intensidade a sua própria ansiedade, sendo assim considerou dormir, considerou preparar uma rodada de café, considerou engatar dois episódios do seriado, considerou mais coisas de que pode lembrar-se agora, mas certo mesmo é que nenhuma das intenções se concretizaria e ele seguiria parado à espera do que não viria, você está aí?, tornou a perguntar apenas – jurou a si mesmo – para se certificar, afinal era homem de ideias, valores e ideias, jamais envolvia-se por capricho no que quer que fosse, um trabalho, um namoro, um esporte, um projeto coletivo enfim, não era do seu feitio nadar na superfície enquanto alguns metros abaixo do umbigo as ondas agitavam-se lentamente antes de repercutirem do lado de cima, e, levados por essas mesmas trepidações rotineiras, havia corpos gigantescos de corais que debutavam...

Amazing stories*

* Clique nos links com o botão direito e peça, por favor, uma nova aba. Grata: a Gerência . Difícil mesmo foi conciliar aquele pensamento ainda no café, o pensamento que era o sonho. Zumbis , sexo, mais não lembrava, apenas que era acossada numa escadaria por uma mulher que tinha cinco ou seis pernas e que percorria rapidamente as distâncias sem saltar degraus, arrastando-se, e aquilo era a representação de tantos filmes horrendos que já havia assistido antes, sabia disso em fração de segundos, e essa consciência, diria uma superconsciência, era a melhor coisa dos sonhos, então havia um lado ruim, o medo, e um lado bom, o poder de fazer o que quisesse. Era como a moral da história no final dos desenhos animados dos anos oitenta, quando o Príncipe Adams voltava ao começo do episódio e, a partir de momentos tensos e representativos, explicava alguma doutrina, falava do bem e também sobre como o Esqueleto podia ser um cara com profundas carências afetivas recalcadas naquela relação, ...

Um problema

PESSOAS QUE VIVERAM processos semelhantes reagiram de maneira diversa, deixando para trás o que lhes desagravada, guardando o que fosse bom e, entre idas e vindas, seguindo em frente. É o que qualquer um faria. É o que deveria tomar como caminho óbvio, natural, o caminho do bem: viver, depurar, guardar, assentar, intervalo, e recomeça “viver, depurar” etc., e assim uma porção de coisas estaria finalmente resolvida e eu estaria livre para viver outra porção de coisas. MAS TENHO A IMPRESSÃO de que uma dessas etapas é defeituosa quando penso em minha trajetória particular, e não me refiro a toda trajetória, a estrada que percorri desde o nascimento até o dia em que completei 23 anos. Penso em um momento específico, rigorosamente situado no tempo e no espaço, um instante que identifico claramente quando me volto ao passado e percebo “vejam, lá está ele, vejam como sorri, é um encanto, concordam?”, e todas as minhas amigas balançam a cabeça afirmativamente, e mesmo minha mãe, que dev...

Paradigma Beltrão-Sabatella

I . Café da manhã ERA NATURAL que se apaixonasse por Andrea Beltrão, mas não o contrário. Tanto que, a certa altura, embora ainda fosse caído por ela, e entendo por caído uma total devoção de afeto geminada com indisfarçável vontade de saber-lhe fatos da vida, repito: embora ainda fosse lato sensu caído, Andrea não era por ele, no que, presumo, não haja lá grandes surpresas. Ocorre que assim permaneceram por muito tempo. Na verdade, estão nesse pé até hoje, quando, mesmo alimentando sentimento igualmente denso, diria mais que denso, o sentimento é irreprimível e cheio de uma pureza incomum em dias de relacionamentos cujos marcos regulatórios são brevidade e superficialidade (ver Bauman), ele encontre razões para deixar provisoriamente de lado esse brinquedo, e aqui me refiro ao amor impossível, e dedicar-se a algo que o faça verdadeiramente feliz, e nesse trecho especial me reporto ao amor plenamente possível. Clara oposição de ideias que não dilui a complexidade, só a expõe. ...

Bang Bang

SEM ÁGUA NO FIM DO TOBOÁGUA Panóptico Está sentado e finge desafetação quando na verdade é apenas mais um afetado na livraria. Tem um livro nas mãos, Gonzos e Parafusos , aquele de capa lustrosa, branca, com título em alto relevo, cuja autora passou dias enfurnada num cubo branco sendo alimentada por amigos e familiares. Sabe disso porque leu nas páginas dos cadernos de cultura. Viu Rubem Fonseca estendendo a mão num gesto falsamente caridoso. Acompanhou o debate estéril que se seguiu ao happening. Hoje, quem se lembra? Veste camisa de mangas compridas dobradas na altura do cotovelo, calça jeans e sandálias de couro. Está sentado no sofá da livraria. Fica rente à escada que leva ao pavimento de DVDs e CDs. O pavimento jamais freqüentado. Porque ele é um homem das letras, não da música, e sente orgulho de pertencer a esse universo. É algo distintivo, como a marca de Caim. Ali, enquanto sente leve incômodo sempre que alguém sobe os degraus da escada e faz o sofá trepidar, assist...

A musa da macharada

NOTA>>> E foi assim, dissertando sobre o borogodó do deputado federal potiguar & escritor & galã legislador Fábio Faria, que marquei estréia nas páginas da revista querida Playboy (edição de março, Michelly na capa). O texto foi publicado na seção Happy Hour , que trabalha humor e jornalismo autoral. Comprem a revista, leiam a matéria, vejam as fotos, que estão lindas. Façam o que não fizeram na adolescência sempre que dispunham de uma Playboy nas mãos. Abaixo, a íntegra da marmota. O QUE FÁBIO FARIA TEM? Henrique Araújo Peguem a cabeleira basta de Andrea Pirlo, galã e meio-campista da seleção italiana. Em seguida, acrescentem a sensualidade de um Ricky Martin cuja imagem de macho alfa não tivesse sido arranhada nem um milímetro depois da ruidosa admissão pública: “Eu sou”. Finalmente, levem a mistura ao forno, mas não sem antes incluir na receita o charme e a fotogenia do espanhol Javier Bardem. Conseguiram imaginar? É evidente que o deputado federal potiguar Fá...