Duas décadas escrevendo aqui e ainda não me acostumei.
Acabo de reler uma crônica de 2008, outra de 2005, mais uma de 2011 e uma quarta de 2017, enfim, é como se fosse meu álbum de fotografias, e está tudo aqui.
Não sei se já falei que muitas fotos de criança que eu tinha acabaram se perdendo, mofaram, comidas pelo bolor, ficaram esquecidas no quintal e apanharam chuva e sol e depois disso não serviam mais para nada, os fungos avançando pelas beiradas, devorando o rosto, as pernas, os braços, uma forma viva de corrosão do tempo.
Então, para todos os efeitos, este é meu álbum, aqui exibo as imagens que escolhi mostrar para as pessoas, aqui faço a curadoria (palavra detestável) dos detalhes e das pequenezas sobre as quais decido escrever.
E tem sido assim há 20 anos, isso mesmo, tinha entre 23 e 24 quando comecei, publicava contos e outras coisas de que me envergonho e por isso mantenho distante, longe da vista, exceto uma ou outra.
Volto, e é curioso esse reencontro, porque não parece que eu era esse “eu” no qual não me vejo, eu era outro. Igual, mas outro. De maneira que, mesmo na leitura, esse encontro é desencontro. Bourdieu fala em trajetórias, ou seja, não se trata de uma linha, mas de uma ilusão biográfica, a falsa ideia que temos de que uma imagem persiste e que a ela se associa um nome e a esse nome uma identidade fixa.
Por outro lado, é notável também uma certa continuidade. Tanta coisa já esboçada ali, os desejos e sonhos, os temas recorrentes, uns cacoetes que preservo, o vezo de dizer sem dizer, uma nota melancólica em quase tudo, como música de fundo. Foi o que me acompanhou de lá pra cá.
Não costumo falar sobre o começo, mas este espaço já teve muitos nomes, dos mais aos menos vergonhosos. Houve um tempo em que alterava semanalmente o título do blog, e hoje chamá-lo assim é meio “cringe”, mas também uma alegria, porque, tomando tudo em perspectiva, foi uma das poucas coisas às quais me dediquei e que não ficaram pelo caminho.
Nesse período, larguei curso de alemão e de francês pela metade, deixei para trás a vocação de professor de literatura, uma formação em Letras e outra em Filosofia, as quais eu tentaria retomar depois de alguns anos, em vão.
Mas isto aqui foi ficando. Eu perdi esse tempo da minha vida escrevendo neste endereço numa época em que a internet era um descampado. Uma parte das minhas noites, das minhas tardes, dos meus fins de semana.
Gastei energia nessa empreitada pela qual nunca ganhei nada, nunca recebi, tampouco me pediram para fazer, nunca foi um trabalho, nunca foi um exercício, nunca qualquer compromisso, nunca qualquer promessa.
Talvez por isso tenha dado certo (supondo que a mera insistência e o fato de que sigo fazendo o que imaginei que faria são indicadores não de sucesso, mas de que, de algum modo, por algumas vias, foi possível seguir adiante).
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