A mãe tinha um segredo, não que o escondesse, ela simplesmente tinha, como se possui uma gagueira ou um tique do qual não se tem consciência embora desde cedo esteja ali. Era esse tipo de segredo que tinha a mãe, talvez uma história, uma riqueza particular, uma origem duvidosa, uma abdução, uma face monstruosa sob a doçura dos traços passivos, um terceiro braço que lhe havia crescido imperceptível e que mesmo hoje o disfarçasse tão bem que passara incógnito. Mas estava ali, sob a claridade, à mercê de quem a olhasse mais de perto, coisa que eu costumava fazer naqueles dias tumultuosos que antecederam a saída do pai de casa. Eu tinha 14 anos, talvez um pouco mais, e me sentia surpreendentemente feliz quando o portão bateu e dentro ouvimos o silêncio e no meio do silêncio o oco deixado por ele.
Numa dessas andanças pelo shopping, o anúncio saltou da fachada da loja: “museu da selfie”. As palavras destacadas nessa luminescência característica das redes, os tipos simulando uma caligrafia declinada, quase pessoal e amorosa, resultado da combinação do familiar e do estranho, um híbrido de carta e mensagem eletrônica. “Museu da selfie”, repeti mentalmente enquanto considerava pagar 20 reais por um saco de pipoca do qual já havia desistido, mas cuja imagem retornava sempre em ondas de apelo olfativo e sonoro, a repetição do gesto como parte indissociável da experiência de estar numa sala de cinema. Um museu, por natureza, alimenta-se de matéria narrativa, ou seja, trata-se de espaço instaurado a fim de que se remonte o fio da história, estabelecendo-se entre suas peças algum nexo, seja ele causal ou não. É, por assim dizer, um ato de significação que se estende a tudo que ele contém. Daí que se fale de um museu da seca, um museu do amanhã, um museu do mar, um museu da língua e por
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