A mãe tinha um segredo, não que o escondesse, ela simplesmente tinha, como se possui uma gagueira ou um tique do qual não se tem consciência embora desde cedo esteja ali. Era esse tipo de segredo que tinha a mãe, talvez uma história, uma riqueza particular, uma origem duvidosa, uma abdução, uma face monstruosa sob a doçura dos traços passivos, um terceiro braço que lhe havia crescido imperceptível e que mesmo hoje o disfarçasse tão bem que passara incógnito. Mas estava ali, sob a claridade, à mercê de quem a olhasse mais de perto, coisa que eu costumava fazer naqueles dias tumultuosos que antecederam a saída do pai de casa. Eu tinha 14 anos, talvez um pouco mais, e me sentia surpreendentemente feliz quando o portão bateu e dentro ouvimos o silêncio e no meio do silêncio o oco deixado por ele.
Outro dia, por razão que não vem ao caso, me vi na obrigação de ir até a Cidade 2000, um bairro estranho de Fortaleza, estranho e comum, como se por baixo de sua pele houvesse qualquer coisa de insuspeita sem ser, nas fachadas de seus negócios e bares uma cifra ilegível, um segredo bem guardado como esses que minha avó mantinha em seu baú dentro do quarto. Mas qual? Eu não sabia, e talvez continue sem saber mesmo depois de revirar suas ruas e explorar seus becos atrás de uma tecla para o meu computador, uma parte faltante sem a qual eu não poderia trabalhar nem dar conta das tarefas na quais me vi enredado neste final de ano. Depois conto essa história típica de Natal que me levou ao miolo de um bairro que, tal como a Praia do Futuro, enuncia desde o nome uma vocação que nunca se realiza plenamente. Esse bairro que é também um aceno a um horizonte aspiracional no qual se projeta uma noção de bem-estar e desenvolvimento por vir que é típica da capital cearense, como se estivessem oferec...
Comentários