
Ia falar de um poema que li há uma hora e da infância, duas coisas importantes do domingo que foi ontem e que jamais voltará a ser.
Um poema realmente impressionante, lê-lo foi a melhor ação que pude realizar nessa passagem formidável do dia 16 para o 17 de outubro. Agora, está ali, parado, fechado, faz outros livros de cama, um mistério para mim, um mistério para o autor, um mistério para quem o ler e para quem não o ler.
A infância foi assunto hegemônico hoje na mesa de almoço da família, as casas, rostos, as ruas, as pessoas, Tânia ainda mora lá?, Erica apanhava tanto, o pai da menina morreu, era alcóolatra, a Lígia era uma professora chata de português, Rosângela traía o marido?, não sei, disse, mas ele também a traía?, perguntou minha mãe repentinamente interessada, na bodega do Sandoval roubávamos bombons, pedíamos três e acabávamos levando dez, um louco metia medo em qualquer pessoa que se aproximasse dele.
Havia os cachorros, Leão, um pé duro enorme, Help, o cachorro preto da oficina, Faro Fino, o meu próprio vira-lata, Dog, pequeno e atarracado, valente, Buguinho, pequenez que mordia calcanhares.
Havia os meninos, Jociano “Papillon” (para brincar tinha de fugir escalando o muro de casa, sempre o horário apertado para regressar), Josenildo “Cabeção” (cabeça enorme), Anderson “Osso Azul” (só vestia azul e tinha olhos azuis e uma bicicleta magrela bonita, seu pai era mecânico, certa vez construiu um carro a partir do motor de um Fusca velho, quando passava na rua a gente ria do carro projetado pelo pai do “Osso azul”, o Anderson era dono do Help, que nunca saía de casa), o Paulinho, o Marcelo, os irmãos “Minhoca” (brancos e escorridos, aspecto doentio e mais bem de vida que qualquer um de nós).
E tinha eu, 10 anos, sem namorada, gostava de pescar, tocar bateria no quintal e atirar de baladeira em calangos, lia umas historinhas da coleção Vaga Lume, detestava super-heróis, desenhava o Gasparzinho, adorava minha BMX Monark preta com amarelo que minha mãe vendeu quando tivemos de mudar do bairro. Tinha um aquário. Todos morávamos na rua C do mesmo conjunto habitacional.
O Veneza Tropical, acreditem. Estou preparando um livro sobre esse bairro tão improvável quanto a pizza de carne do sol. Tenho tantas histórias de lá, historinhas bizarras, outras nem tanto, histórias de amor, de traição, de morte, de fantasmas.
São boas histórias, acredito.
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