Pular para o conteúdo principal

Postagens

Agosto

Porque já é agosto e 2014, um ano incomum, como comumente são os anos pares, dei de querer saber: quando é que a vida começa a mudar? Falo dessa vida que, no dia a dia, se tornou uma que não conhecíamos e nós, outros que não sabíamos. Não é segredo que todo mundo tem um plano escondido e que esse plano envolve muitas variáveis e personagens. Como esse plano desaparece para que a gente se torne quem é? Ou, caso não desapareça, em que gaveta esse plano se meteu?  Em nome do amadorismo, dei para perguntar como tudo acaba se tornando o que é. Quero entender como X e Y se combinam para formar Z. É o meu brinquedo de adulto. Uma ciência do amadorismo, do desastre e do riso.  Há vinte e cinco anos, talvez num mês de agosto, eu ainda era criança e brincava de capturar o tempo. Nada de arapucas ou gaiolas. Apanha-se o tempo no chão da sala, o rosto encostado no frio da cerâmica; ou na parede, rabiscando as pinturas rupestres da meninice: árvores, cavalos, a fam...

Apenas um

Eu podia finalmente escrever essa história que tenho pra escrever, pensou a personagem, porque nas histórias que escrevia as personagens pensavam coisas alheias a seu universo e até contrárias, como no caso dessa que vinha tentando terminar já há algum tempo, sem sucesso, talvez porque as personagens dessa história tinham apego a falas sem fim, enredos atravessados, rupturas etc. Lembrou a razão de ter escolhido Captcha como título da história, estava em dúvida se romance, conto ou novela, mas tinha certeza quanto ao nome e achava isso o máximo. Mais a certeza que o nome, porque lembrou também que já havia criado, gostado e esquecido outros tantos nomes. Aquele ficara. Era especial. A trama rendia, a personagem tinha rosto e voz, os acontecimentos aconteciam diante dos olhos. Tinha história para cinquenta páginas ou mais, ia depender da maneira de contar. A história em si, Captcha , era simples: uma garota escreve ( o quê? ) para entender outra garota. Um romance entre du...

Conversa

Como ia tentando dizer, tinha essa vontade de escrever uma carta, todavia cartas estão fora de moda, daí pensei num e-mail, uma postagem simples no Twitter ou uma mensagem de celular assinada “simplesmente eu”. Uma inscrição no braço da carteira que seria lida em três dias, no máximo, ou em três anos, no mínimo. Pensei em outras coisas que agora não posso lembrar. Não me sinto bem esses dias, tédio, cansaço, fome, falta de conversa, falta de coragem, muitas horas diante do computador ainda tentando rabiscar aquele livro de que falei outro dia. Sem sucesso. Não obtive mais sucesso que Napoleão em Waterloo. Sempre me ocupo de barcas furadas, sou o capitão dos projetos  naufragados, o huno das fronteiras porosas. Não, pode acreditar. É menos uma carta que uma prestação de contas semestral.

O melhor

O melhor da cidade não é o melhor porque o melhor é uma categoria que não abarca o melhor. Não sei se vocês entendem. Dou um exemplo: o melhor da cidade é o picolé, eu poderia dizer. E não estaria mentindo porque, juro, acredito que o melhor da cidade é realmente o picolé e não as pessoas ou o que elas possam fazer de suas vidas quando têm tempo sobrando, se preferem um livro ou jogar paciência no computador. A tapioca é outro produto que larga na frente com boa vantagem se imaginarmos que estamos competindo uns com os outros pra saber quem cospe mais longe na gincana do intelecto. A tapioca com café.   Mas não ficaria surpreso se outras pessoas com gostos muito diferentes dos meus dissessem que o melhor da cidade é a ponte velha. Ou o dindim. O barulho de ondas quebrando ( aliás, uma dica para quem gosta de grana é capturar, engarrafar e vender para turistas o barulhinho do mar da cidade. É a melhor chance que terão de se tornarem ricos, morarem no Meireles e d...

Sem FB

E se as previsões catastróficas se confirmarem e o FB não voltar, como ficam as pessoas? O que teriam a dizer quando não houvesse mais onde nem como comunicar os segredos, nem curtir as postagens, nem os vídeos de bebês, nem as peripécias dos cachorros nem os acidentes ou os braços arrancados por tigres esfomeados? Como ficam as inimizades, o amor, o carinho, o tesão e o gozo? E as demonstrações de nobreza de caráter, todo esse subgênero de comportamentos segundo os quais não basta apenas ser bom, é preciso propagandear? E o flerte virtual? O que fazer com toda essa reserva de afeto acumulada num canto luminoso da alma? Sem contato com a vitamina D do FB, logo apodrecerá, involuindo até o estágio larval.    Não voltando, o FB apagará todas as mensagens trocadas, como se, mesmo ausente, habitasse um universo paralelo e nesse universo paralelo tudo que costumava acontecer no FB permanecesse acontecendo, inclusive quando nada acontece? Ninguém sabe. Não volt...

Números

Todos os dias, por algum motivo, nós nos distraímos lendo um livro ou revista ou digitando no computador uma mensagem desesperada quando, por outro motivo igualmente banal, olhamos o relógio de pulso ou o celular e damos de cara com um número que parece querer dizer qualquer coisa além das horas, uma mensagem, um conselho, uma palavra de conforto, a resolução de um enigma de cuja resposta depende não apenas o nosso futuro, mas o futuro inteiro da humanidade. E é aí que a gente se pergunta se as coisas, por serem coisas apenas, não terão mais o que dizer sobre o que não entendemos do que nós mesmos. Não cito exemplos para não estragar a experiência de cada um. 

Captcha

Quando digo tudo isso que disse, quero dizer na verdade o seguinte: Captcha. Captcha é um teste para separar humanos de máquinas. É simples. Consiste em decifrar letras borradas ou apagadas, digitando-as num espaço em branco. De acordo com os pesquisadores, apenas seres humanos são capazes de distinguir palavras cujo traçado está de alguma maneira interrompido. Nós enxergamos o que as máquinas não podem. Um E sem perna, uma palavra atravessada por um risco, uma vogal cortada e por aí vai.   Uma frase em Captcha é uma frase a ser decifrada. Uma vida em Captcha é uma vida a ser decifrada. Um amor em Captcha é apenas um amor.    Captcha é um acrônimo e um acrônimo é uma sigla formada pela primeira letra de cada palavra.  Exemplos: Captcha, é claro, e Nasa, Sida, ONU, Otan etc. Por que aplicar esses testes se tornou importante hoje em dia?  Ninguém sabe ao certo.