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Óculos de realidade diminuída

Agora que o HSBC resolveu de moto próprio alargar o horizonte dos meus sonhos aumentando o limite do meu cartão de 800 reais para 1.150 reais, limite este que contrasta com aquele, autoimposto já havia três anos em virtude de minha faceta consumista quando se trata de jogos, livros, revistas etc., além de iogurte grego; levando-se em conta igualmente a excitação que, por meio de uma correia de transmissão invisível, se espalhou feito doença venérea e agora está contaminando todo mundo que conheço horas antes da apresentação do Paul; considerando-se, finalmente, atendidas as expectativas da semana, que se não eram tantas nem complexas tampouco pareciam simples ou exeqüíveis em um nível primário; pensando em tudo isso e mais ainda no que disse o tradutor e escritor Cabra Preta no blog do IMS, cujos tópicos recomendo como leitura imprescindível a quem quer que pretenda colocar uma vírgula que seja no papel daqui pra frente. Dito isso, a única saída que me resta é deixar de fi...

Eu tenho medo

Embora não pareça amedrontada, a atriz Regina Duarte sorri após curtir a página no Facebook de uma campanha contra a violência urbana. Intimamente, porém, a atriz sabe que desempenhou o papel que lhe cabe e se sente contente por isso Duas palavrinhas sobre o medo, o grande tópico em torno do qual a sociedade alencarina dilapida o intelecto nos dias que correm, tema de conversas animadas no shopping e na livraria, na fila do cinema e na barraca de praia. Há uma semana, tive uma discussão ferocíssima com meu pai. Foi motivada por uma observação que fiz depois de visitar o condomínio onde mora uma amiga da minha namorada. Disse: as pessoas se encastelam, abdicam do espaço público, privam-se do contato com a cidade, blindam-se e depois vão reclamar da insegurança. Não querem uma cidade para viver; querem uma que lhes resguarde das ameaças.  Mesmo depois de identificar o primeiro muxoxo no Haroldo, continuei: os bairros ficam desertos, ninguém anda nas calçadas, o car...

Precisamos falar sobre a rapariga

Rapariga, eu? Com muito orgulho, respondeu Rita Hayworth a um repórter que pretendia constrangê-la ao perguntar se a atriz costumava sair com muitos homens ao mesmo tempo Dispensando a introdução e a contextualização (leiam este artigo e este outro aqui ), vamos ao que interessa, ou seja, não ao conceito de rapariga, que sobre isso não me sinto suficientemente escolado para teorizar, mas ao fato de que devemos ter a liberdade de pronunciá-lo, nós e os forrozeiros. A questão de fundo é o tratamento sexista que as músicas de forró prodigalizaram no que diz respeito à figura feminina. “Rapariga”, por exemplo, é uma expressão com que frequentemente os cantores se referem a um segmento das moças que consomem o produto. Não sei se muitas mulheres se identificam com a adjetivação, mas, a crer no que relata o escritor e crítico musical José Telles, de cujo artigo se originou um debate com ranço conservador, quando instadas, um número considerável de raparigas (conotação lusita...

O mito da Iracema escapista

Segundo post script Está na hora de deixar um pouco de lado o mito da Iracema escapista, a índia cujo projeto de vida é embarcar na primeira jangada que a maré trouxer ou no primeiro navio que aportar no cais, deixando para trás a aldeia, a geografia e o mocororó. Dane-se a aldeia.  A Iracema escapista fazia sentido há vinte ou trinta anos, mas hoje? Embora tudo aponte para o contrário, o mito da índia romântica que espera o socorro vindo das águas é contraproducente. Qualquer que seja o ponto de vista, a índia de pele curtida e raízes aéreas é um beco sem saída. No cinema, na literatura, na pintura, na música, Iracema precisa é de ficar, dar um chega pra lá definitivo no salvador da pátria caucasiano, na boia atirada pelo marinheiro com gravata borboleta, na esperança de vida-lazer nas terras além-fortim. Nem refugiar-se, nem guardar. Nem desenraizada, nem mantenedora da fortuna cultural do aldeamento. Não há nada pra guardar, tampouco pra jogar no mato. T...

PS

Post script Entendo a simbologia da família – pai e filha – desgarrada, como escreveu o José Geraldo Couto no Blog do IMS . Estão ali, no banheiro da orla, três pessoas à deriva, procurando atar-se ao mundo de maneiras diferentes. A conclusão de Violeta é clara: esse embaraço não é exceção, é regra.   Em princípio, uma maravilha; na prática, a garotinha não é tão carismática, a conversa entre Violeta e o pai da criança é desimportante e o trechinho de Olhos nos olhos cantado no aeroporto só realça a distância entre filme e música.

O abismo é logo ali

Se alguns filmes se desenvolvem num crescendo, isto é, movimentam-se tendo como princípio a ideia de que cada pedacinho de cena deixado para trás contribuirá no final para uma sensação única de gozo ou de algum outro tipo de deleite menos retumbante, outros percorrem o caminho contrário. Partem do clímax para o anticlímax, da velocidade 5 para a velocidade 0. E, ao terminarem, c ausam uma sensação que beira a frustração . Não sei se esse é exatamente o caso de O abismo prateado , exibido em Fortaleza num esquema alternativo no último fim de semana. Se não é totalmente, é em termos.  O filme cumpre esse pequeno roteiro. Promete bastante, mas entrega pouco ao final, deixando o espectador com o sentimento de que faltou algo, uma cena, uma fala, um diálogo, uma emoção. A personagem deveria ter agido de outra maneira etc. Aquilo não podia ser tudo, o diretor estava escondendo uma parte da história, exatamente aquela que iria nos embevecer e nos fazer sair da sala com a expr...

O erro dos gregos

Acima, família tipicamente grega festeja chegada triunfal do iogurte homônimo às prateleiras dos supermercados no mundo todo, gesto interpretado como evidente e indubitável pujança e vitalidade gregas O erro dos gregos foi ter permanecido tanto tempo sustentando uma imagem que não correspondia à realidade, ou seja, estavam posando de paradigma, esteio moral, âncora existencial e outras metáforas que, traduzidas, tomam esse povo como uma espécie de ápice especial da civilização e, sem medo de exagerar, culminância jamais experimentada por todos que lhes sucederam em escala cronológica. O erro dos gregos foi ter nos feito acreditar que, sim, tinham resposta pra tudo e que não, não iriam nos dar essas respostas de mãos beijadas, para tanto precisaríamos trilhar nossos próprios caminhos etc., dando com a cara na porta nove a cada dez vezes. O erro dos gregos foi não exatamente mentir, mas rir da nossa cara enquanto mentíamos para nós mesmos, crentes nessa verdade inaugural de...